Revista Media & Jornalismo nº 2

/Revista Media & Jornalismo nº 2
Revista Media & Jornalismo nº 22010-03-19T20:32:09+00:00

Na diversidade das reflexões deste segundo número de Media & Jornalismo, a maioria proveniente de investigadores de diferentes Universidades portuguesas, procura-se contribuir para um debate alargado de temas e pesquisas sobre o lugar dos media e da informação noticiosa nas sociedades contemporâneas. É este o propósito do Centro de Investigação Media e Jornalismo (CIMJ) e a razão da existência destas páginas.

O texto de abertura é uma intervenção de Mário Soares sobre a crise da democracia e a desvalorização dos direitos humanos “no tormentoso, incerto e inseguro tempo que vivemos”, nas palavras do autor, proferida na Assembleia da República, em Novembro de 2002, por ocasião do Congresso Anual da Federação Ibero-Americana de Ombudsman. Entre as causas da crise da democracia, Soares aponta a revolução informática e a corrosão que os media audiovisuais estão a provocar nas democracias representativas clássicas, nomeadamente a deslocação do debate dos grandes temas políticos, dos Parlamentos para os media, obrigando-os a descer de nível. Sem negar os benefícios do alargamento do debate político a vastas audiências, o ex-Presidente da República identifica alguns dos seus aspectos perversos, entre os quais “a confusão” e a “náusea” que a política provoca quando vista e conhecida através dos media, pela forma apressada e frequentemente deformada com que é apresentada, e pela hipertrofia de questões mesquinhas e pessoalizadas.

Esta intervenção de Mário Soares constitui uma oportuna introdução ao artigo do cientista político da Universidade de Harvard e membro do Conselho Editorial Internacional desta revista, Thomas Patterson, que foca um dos aspectos mais importantes e preocupantes das sociedades contemporâneas: as relações entre o jornalismo e a democracia, analisadas através de uma investigação sobre os hábitos, interesses e preferências dos cidadãos norte-americanos perante as notícias. O estudo tem como base a análise de mais de cinco mil textos noticiosos publicados em jornais, revistas e canais de televisão norte-americanos, no período de 1980-1999 e um exaustivo trabalho de inquérito junto das audiências destes media.

Na sequência de trabalhos que tem desenvolvido sobre a cobertura jornalística de temas políticos, Patterson debruça-se sobre a tendência crescente do jornalismo para privilegiar as notícias leves – centradas em celebridades, escândalos e temas de entretenimento – e a crítica sistemática das instituições e personalidades políticas, a que o autor chama “jornalismo crítico”. Essa tendência que abrange, também, jornais “de referência”, está na origem do desinteresse dos cidadãos pelas notícias. Ora, conclui, sem cidadãos informados sobre assuntos de interesse público a democracia não pode funcionar. A solução não é, para Patterson, mais notícias leves e mais ‘jornalismo crítico’, mas sim um jornalismo que, sem deixar de cumprir o seu papel de “vigilante” das instituições, proporcione uma informação equilibrada. Porque, segundo Patterson, o que é bom para a democracia é bom para o jornalismo.

O ensaio de João Carlos Correia, sobre a cultura mediática contemporânea e a sociedade de que é emanação dá continuidade a esta reflexão de Patterson sobre os media noticiosos e a democracia, ainda que assente noutra perspectiva. A espectacularização da cultura de massas é aqui a categoria fundamental que o autor associa à subjectividade e à ideologia, vistas para além do meio televisivo.
Para o autor, a centralização da cultura mediática em projectos individuais do tipo dos reality shows relaciona-se com um impulso particular das sociedades modernas e constitui um traço da actual comunicação de massas. Interroga-se, pois, sobre a importância do individualismo na descoberta de novas formas de viver a vida e na afirmação de novos direitos, relacionando a gestão do desejo com a questão da ideologia. Revendo, de maneira crítica, textos da Escola de Frankfurt, e partindo de uma aceitação relativa das críticas à comunicação de massas, o autor considera que parece desafiada a visão da comunicação de massas como aparelho ideológico que procura realizar o consenso através da ocultação das dinâmicas sociais. Para o autor, o centro dos conflitos sociais já não se situa apenas nas esferas da reprodução material, mas também nas esferas da vida simbólica.

Pela profundidade da investigação e as tendências de longo prazo de que dão conta, estes dois artigos constituem uma estimulante proposta de reflexão sobre os mesmos temas no contexto português, onde a história dos media é atravessada pelas vicissitudes da Revolução de 1974 e onde a própria democracia é um bem relativamente jovem. Os artigos seguintes, centrados em análises da imprensa portuguesa, fornecem novas perspectivas sobre as relações entre os media e a sociedade.

Isabel Ferin Cunha analisa as imagens da imigração em Portugal. Na sequência de anteriores trabalhos seus sobre o racismo nos media, a autora pesquisa como jornais portugueses têm noticiado acontecimentos e questões relacionadas com a imigração, fenómeno social relativamente recente e tema que tem estado demasiado à margem de reflexões sobre o viver democrático e os direitos de cidadania. Introduz os contextos históricos e actuais da imigração em Portugal e apresenta as imagens da cobertura jornalística destacadas da análise de dois diários portugueses, Público e Diário de Notícias, no Verão de 2000.
O estudo evidencia a existência de dois olhares sobre imigrantes, que distinguem os imigrantes provenientes de Leste dos jovens africanos nascidos em Portugal e na maioria com nacionalidade portuguesa, que constituem a segunda e terceira geração de imigrantes provenientes das antigas colónias. O olhar sobre estes ‘falsos imigrantes’, escreve Isabel Ferin da Cunha, tende a considerá-los como sujeitos sem cidadania, numa atitude que reproduz e fomenta o racismo flagrante e o racismo subtil.

Uma visão longitudinal sobre a imprensa portuguesa é apresentada por Rita Figueiras. O seu artigo dá conta das transformações do Espaço Opinião na imprensa portuguesa, nas décadas de 80 e 90. Abrangendo o Diário de Notícias, A Capital e Público na imprensa diária, e o Expresso, Semanário e O Independente, nos semanários, a análise evidencia quem foi representando a Opinião Pública e se provém do interior ou do exterior dos jornais. Nestas duas décadas, habitam esse Espaço de Opinião uma diversidade de actores: profissionais do jornalismo, figuras públicas convidadas a colaborar regularmente, leitores que aí intervêm com as suas cartas, cidadãos anónimos solicitados a responder a pequenos inquéritos.
Este olhar retrospectivo permite assim, relativamente a cada um dos títulos apreciados recordar as transformações operadas no seu Espaço Opinião, no que constitui um interessante contributo para a história recente da imprensa portuguesa. Mostra que à institucionalização desse Espaço nos anos 80 se sucede a sua consolidação na década seguinte, marcada por profundas transformações do campo dos media, como a privatização, a crescente comercialização e a concentração de propriedade, as transformações numa intervenção mais personalizada do jornalista comentador. Como traços mais notórios deste Espaço no período mais recente, a autora sublinha o crescente investimento na sua publicitação e valorização por parte dos jornais.

O artigo de Jorge Pedro de Sousa apresenta um dispositivo de análise comparada de imprensa, do prisma da recepção de imprensa on-line por usuários de diferentes países. O autor analisa a qualidade percebida de quatro jornais brasileiros aí disponíveis (O Estado de São Paulo, A Folha de São Paulo, o Jornal do Brasil e O Globo), por parte de dois grupos de estudantes de Ciências da Comunicação, um português e outro brasileiro. Este estudo comparado tenta apurar, por um lado, se existem diferenças na percepção da qualidade destes jornais por parte de usuários com substractos culturais diferentes e, por outro, se o facto de a experiência da Internet ser semelhante para todos os usuários de qualquer ponto do mundo, promove percepções semelhantes sobre a qualidade dos jornais on-line.
Na avaliação da qualidade percebida, construída com base numa exaustiva grelha de variáveis que incluía componentes sobre o conteúdo, o design e a navegação, o autor apurou que o substracto cultural não parece ser um factor determinante, uma vez que portugueses e brasileiros não diferiram significativamente na sua avaliação. O autor conclui, ainda, que, no que respeita à percepção da qualidade, os jornais on-line são penalizados por não aproveitarem as potencialidades da Internet.

A entrevista deste número de M&J, conduzida por José Carlos Abrantes, apresenta-nos o percurso de investigador francês Dominique Wolton, e temas de muitos dos seus livros, disponíveis em português. Cruzando a ciência política com a comunicação, encontramos neste percurso o registo dos muitos campos sobre os quais incidiu o seu interesse como cientista social. Destaca-se a preocupação de trazer para o espaço francófono muitas das linhas de investigação anglo-americanas, a que chama tradição empírico-crítica.
Ao longo das várias décadas como investigador, Wolton revela como se interessou pelas mudanças na esfera do trabalho introduzidas pelas novas tecnologias ou como investigou os media na perspectiva da recepção activa por parte das audiências. A atenção às transformações dos media nas últimas décadas e a defesa do sector público da comunicação social combinam-se com o seu olhar aberto, de cientista político que procura (também) pensar questões culturais, da ‘globalização do humanismo’ ao novo espaço europeu em construção e o lugar que nele têm as diversas identidades culturais que compõem a diversidade dos seus países.

Na secção de Recensões apresentamos obras recentes que incidem sobre o panorama comunicacional contemporâneo. Ao lado de obras de enquadramento para o estudo dos media e do jornalismo, como as de Todd Gitlin e de Erik Neveu, surgem reflexões sobre o jornalismo após o 11 de Setembro, nos Estados Unidos e fora dele, e ainda sobre o jornalismo de proximidade e os seus limites. Destacamos a primeira recensão temática, centrada nos estudos de recepção. Ao breve historial desta linha de pesquisa, segue-se uma compilação de obras recentes, organizada por Isabel Ferin Cunha, a incidir em títulos dos anos 80 e 90 e com origem em autores europeus e da América Latina. Podemos assim apreciar como este campo de estudo da comunicação se tem vindo a apetrechar de enquadramentos científicos e de instrumentos metodológicos imprescindíveis a uma pesquisa atenta e interveniente sobre os media, aos mais diversos níveis.

A Direcção

Revista completa

Recensões

João Pissarra Esteves, Camponez, Carlos (2002), Jornalismo de Proximidade: rituais de comunicação na imprensa regional 

Eduardo Cintra Torres, Zelizer, Barbie e Allan, Stuart (2002), Journalism after September 11 

Carla Baptista, Gitlin, Todd (2001), Media Unlimited

Estrela Serrano, Neveu, Érik (2001), Sociologie du journalisme

Artigos

Jorge Pedro Sousa, Qualidade percebida de quatro jornais on-line brasileiros 

Rita Figueiras, O Espaço Opinião na imprensa de referência portuguesa: 1980-1999

Isabel Férin da Cunha, Imagens da Imigração em Portugal

Recensões

Isabel Ferin Cunha, Dos Efeitos à Recepção: Algumas pistas de leitura

Percursos

José Carlos Abrantes, Entrevista a Dominique Wolton

Artigos

João Carlos Correia, Os administradores de ilusões: espectáculo, subjectividade e ideologia na cultura mediática contemporânea

Thomas E. Patterson, Tendências do Jornalismo Contemporâneo – Estarão as notícias leves e o jornalismo crítico a enfraquecer a Democracia?

Mário Soares, Democracia e Direitos Humanos, no Séc. XXI

{backbutton}