Revista Media & Jornalismo nº 3 – Jornalismo em Tempo de Guerra

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Revista Media & Jornalismo nº 3 – Jornalismo em Tempo de Guerra2010-03-19T20:44:47+00:00

Neste terceiro número de Media & Jornalismo o leitor reencontra a diversidade temática em torno dos media e do jornalismo que caracterizou os dois primeiros números da Revista, a par de artigos que partilham o mesmo tema. É o caso de dois contributos para um melhor conhecimento das relações entre o jornalismo e a política em situações de conflito armado. São eles, um estudo académico sobre a Guerra Civil de Espanha, da autoria de Alberto Pena, professor e investigador da Universidade de Vigo, e um testemunho pessoal sobre a Guerra no Iraque, do jornalista José Rodrigues dos Santos, director de informação da RTP e professor da Universidade Nova de Lisboa.

O artigo de Alberto Pena analisa o papel dos correspondentes portugueses na Guerra Civil de Espanha, entre 1936 e 1939. Trata-se de um documento da maior relevância para o conhecimento do papel de Portugal na Guerra Civil Espanhola e, sobretudo, do papel dos jornalistas portugueses que fizeram a cobertura desse acontecimento. Através da recolha de testemunhos de correspondentes portugueses e de responsáveis editoriais contemporâneos da guerra, Alberto Pena traça um quadro implacável sobre a acção “propagandística” dos jornalistas portugueses que classifica como “mercenários” e “agentes de uma campanha internacional a favor do franquismo”. Segundo Alberto Pena, a maioria dos correspondentes portugueses mostraram ser acérrimos defensores do salazarismo e, consequentemente, firmes apoiantes do franquismo.

O testemunho de José Rodrigues dos Santos, sobre a recente guerra no Iraque, evoca o papel do repórter da RTP, Carlos Fino, o primeiro a transmitir em directo o ataque dos Estados Unidos a Bagdad que, em sua opinião, marcou um momento simbólico nas profundas mudanças que ocorreram no mundo do jornalismo, devido essencialmente a um factor decisivo: o desenvolvimento tecnológico. Segundo o autor, já não é preciso ser um gigante para ter acesso às tecnologias necessárias que permitem estar na vanguarda da informação internacional. Basta “um videofone e um pouco de astúcia para bater a concorrência”. Rodrigues dos Santos afirma que, para além de outras mudanças no tipo de cobertura jornalística, a guerra de 2003 “trouxe a novidade da democratização do scoop, com pequenas televisões como a RTP, a AL Jazira e a Abu Dhabi a bater as grandes anglo-americanas.

Os três artigos seguintes partilham a atenção à história do jornalismo, na sua dimensão comparada, e o relevar de aspectos da história dos media e do jornalismo em Portugal nos anos 30 e 40. O artigo de Jean Chalaby, professor e investigador na Landon School of Economics and Political Science, constitui uma referência essencial no estudo do jornalismo, não apenas norteamericano, britânico e francês, sobre os quais incide a sua análise, mas do jornalismo, em geral. Com efeito, através da comparação entre o desenvolvimento desses três “jornalismos”, no período de 1830 a 1920, Chalaby sublinha os factores culturais, políticos, económicos, linguísticos e internacionais que favoreceram a emergência, no Reino Unido e nos EUA, da moderna concepção de notícia, com práticas discursivas próprias e processos de recolha de informação mais avançados do que em França. A independência da imprensa anglo-saxónica relativamente ao campo literário, mais difícil em França, constitui, para o autor, uma das causas do rápido desenvolvimento e da autonomia do jornalismo naqueles dois paises. Trata-se, pois, de um trabalho essencial para um melhor entendimento do que é hoje o jornalismo que se pratica, não apenas nos paises analisados, mas, por analogia, também em Portugal..

O artigo de Rogério Santos evoca o surgimento do Rádio Clube Português (RCP), em 1930, e analisa a sua rápida implantação no contexto radiofónico nacional, graças, segundo o autor, ao dinamismo e à personalidade do seu principal dirigente, Jorge Botelho Moniz. Através de uma detalhada pesquisa documental, Rogério Santos dá conta do apoio do RCP ao regime de Salazar, da luta travada por Botelho Moniz para a restauração da publicidade nas emissoras privadas e da relação conflituosa que manteve com o administrador-geral dos Correios e Telégrafos. Noutro âmbito, o autor assinala o caracter popular e patriótico da estação e o seu envolvimento na Guerra Civil de Espanha, ao lado de Franco, atitudes que granjearam a Botelho Moniz, fama e proveito. Para Rogério Santos, no final dos anos 30, o RCP era já uma das três principais estações do País, ao lado da Emissora Nacional e da Radio Renascença. Apoiado em abundantes testemunhos documentais, este estudo constitui um elemento relevante para a arqueologia da rádio em Portugal.

Rosa Sobreira encerra este conjunto de artigos centrados na história do jornalismo com um estudo sobre o ensino e a profissionalização dos jornalistas durante o Estado Novo. Segundo a autora, não é sociologicamente possível separar a questão da profissionalização dos jornalistas da sua formação / educação académica. Nessa perspectiva, Rosa Sobreira afirma que, em Portugal, desde finais do século XIX, a questão da formação profissional dos jornalistas vinha sendo apresentada em vários encontros internacionais de jornalistas. Porém, antes de 1941, as referências relacionadas com a formação dos jornalistas eram muito escassas, altura em que surgiu o primeiro projecto de um curso de formação jornalística. Passando em revista os projectos de formação e ensino surgidos desde então, a autora assinala as diferentes concepções de jornalismo existentes nas redacções e o conflito geracional entre, de um lado, a “velha guarda” que via o jornalismo como “uma aventura” e, de outro, os “novos valores” que o viam como uma “profissão” com características específicas, que necessitava de sólida preparação teórico-prática.

Os Outros do Jornalismo, da autoria de Carla Baptista, percorre várias dimensões da actividade jornalística, das particularidades do seu discurso à cultura profissional partilhada, da sua autonomia relativa como forma de intervenção social às questões de natureza ética e deontológica que a enquadram.

Particular destaque na sua reflexão merece o conceito de “verdade” desta forma de conhecimento. A autora destaca os limites da “verdade jornalística” mas também a relevância da sua procura, a capacidade de lidar com muitas “ordens de verdade” e de contextualizar e interpretar os factos, lendo para além deles. A pertinência desta reflexão acentua-se num momento em que, como destaca, novos recursos tecnológicos vêm condicionar práticas e culturas da profissão.

Com base em conceitos e investigações de diversas áreas científicas, entre elas a Sociologia da Comunicação e a Nova Criminologia, Cristina Penedo analisa o tratamento noticioso de actos transgressivos da ordem social dominante. Em O Crime nos Media, a autora destaca a carga ideológica desta matéria, aprecia o seu impacto e valor simbólico que o tomam aí tão presente, explora a relação entre os sistemas mediático e da Justiça e evidencia como a sua representação nos media contribui para o “medo do crime” e a agenda pública consequente. Numa análise empírica, compara ainda o tratamento da criminalidade no Diário de Notícias e no Correio da Manhã, no ano 2000.

O ensaio Media e libertação de identidades na cultura contemporânea, de Gil Ferreira, interroga-se sobre os “espaços” de cada um e a possibilidade de formas de expressão singulares num tempo e num espaço dominados pelos media e pela sua imposição maciça de estilos de vida, modelos de comportamento e representações dominantes da realidade social. Sendo os media portadores de uma capacidade de deslumbrar e de convidar ao sonho universal, a “abundância” que os caracteriza, e que o autor aprecia de uma forma mais lata como marca do último século, não deixa contudo de ser ambivalente. Explorando esta ambivalência em várias áreas, o autor opõe à apatia possível o também possível confronto de diferentes experiências na cultura contemporânea, na sua produção como na sua recepção e usos.

Um conjunto de recensões de livros sobre os media e o jornalismo, editados em Portugal e no estrangeiro, completam este número de Media & Jornalismo.

A Direcção

Artigos

A Guerra de propaganda de Salazar: os correspondentes portugueses e a Guerra Civil de Espanha (1936-1939)
Alberto Pena Rodriguez

Em directo da guerra: O impacto da Guerra do Golfo no discurso jornalístico
José Rodrigues dos Santos

O Jornalismo como invenção anglo-americana: comparação entre o desenvolvimento do jornalismo francês e anglo-americano, 1830-1920
Jean Chalaby

Rádio Clube Português – da escassez de frequências à grande importância do meio radiofónico nacional (1931-1936)
Rogério Santos

Ensino do Jornalismo e profissionalização dos jornalistas
Rosa Maria Sobreira

O Crime nos Media. Impacto e valor simbólico das histórias transgressivas
Cristina Penedo

Os outros do Jornalismo
Carla Baptista

Media e libertação de identidades na cultura contemporânea
Gil Ferreira

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