ANTÓNIO CARNEIRO

(16/09/1872 – 31/03/1930)

Autoria: Teresa Lousa

Horizonte geracional

GERAÇÃO DE 1890

País

Portugal

Data e local de nascimento

Amarante, 16 de Setembro de 1872

Formação e acção

António Carneiro nasceu em 1872 em Amarante, na zona do Marão, num meio socio-económico complicado, filho de um comerciante que emigrou para o Brasil quando este era ainda muito pequeno. Aos sete anos a sua mãe morre, facto que o conduz ao internamento no Asilo do Barão de Nova Sintra na zona do Porto, instituição que marcará para sempre o seu carácter melancólico e ensimesmado. Aos doze anos de idade começa a frequentar da Academia de Belas Artes do Porto. Inicialmente teve como opção a escultura por muito admirar Soares dos Reis, mas é no Desenho e na Pintura de História que mais tarde recairá a sua escolha.

A sua formação artística não estaria completa sem fazer referência à viagem a Paris, em 1897, acompanhado pela esposa. Aqui frequenta aulas na Académie Julian e recebe influência sobretudo dos artistas simbolistas: Puvis de Chavannes e Gustave Moureau, mas também de Carrière e Auguste Rodin. Nesta cidade terá visto o Friso da Vida de Münch, que parece ter constituído uma influência para o seu tríptico A Vida. António Carneiro identifica-se esteticamente com o espírito Fin-de-Siècle francês, que opõe o simbolismo e o idealismo ao positivismo precedente.

A formação artística também é consolidada com os mestres italianos como por exemplo Leonardo da Vinci. Em 1899 realiza o sonho de visitar Itália, onde para além da pintura do Renascimento fica fascinado com a cultura local.

Faleceu aos 58 anos de hepatite e no seu leito de morte lamentava sobretudo o ver-se impedido de trabalhar.

Actividade desenvolvida

As suas exposições mais importantes acontecem nos anos 10 e 20, destacando-se a primeira dedicada aos seus óleos em 1911 no Salão de Ilustração Portuguesa e em 1922 na Sociedade Nacional de Belas Artes, dedicada às marinhas da Figueira da Foz.

Como ilustrador destacou-se sobretudo em Periódicos como: Ilustração Portuguesa, Límia, Águia, Atlântida, Contemporânea, Gente Lusa, Alma Nova, Labareda, Portucale, etc. Ilustrou livros de autores como: António Nobre, Aarão de Lacerda, António Arroyo, António Botto, Jaime Cortesão, Raul Brandão, Teixeira de Pascoaes, Leonardo Coimbra, Eça de Queiroz, e muitos outros ilustres.

Embora não fosse um militante da Republica, é no Porto que se associa movimento ético, filosófico e estético da Renascença Portuguesa a partir de 1910. Através da Revista A Águia Carneiro iniciou, através da ilustração frequente um período fértil em termos pessoais e artísticos. Renovada em 1912, esta revista passou a subintitular-se Órgão da Renascença Portuguesa a partir da sua II Série (1912) e, a convite do amigo Teixeira de Pascoaes novo diretor literário, Carneiro torna-se o seu diretor artístico. O emblemático ex-libris criado em 1911 onde um perfil masculino, certamente influenciado pelo Pensador de Rodin, foi difundido em todas as publicações da Renascença – toda a vertente editorial do grupo. O seu papel na Águia que se inicia em janeiro 1911 com sua participação gráfica como ilustrador na primeira série da revista portuense, “republicana”, “saudosista” e “sebastianista” mantém-se pelo menos até na condição de diretor artístico de A Águia até novembro e dezembro de 1929, e como ilustrador a ultima participação em será no n.º 3 da IV série, de junho de 1928, com o desenho Convalescente, clara referência à sua filha – falecida em 1926.

Foi Professor na Academia de belas Artes do Porto mesmo sem ter tido nomeação definitiva. Infelizmente quando o convite chega tarde demais.

Data e local de falecimento

31 de Março de 1930, Porto.

Lema e linha filosófica

António Carneiro, nem sempre apreciado ou entendido pela crítica, destacou-se no meio artístico nacional. A sua obra traduz uma erudição espiritual: expressou uma de arte intelectual, profunda, contemplativa e simbólica, bem distinta do estilo modernista de tendência internacional.

Linha filosófica e caracterização geral da obra

“(…) Pela minha arte poderá auscultar o meu pensamento, saio pouco, vivo retirado (…)” António Carneiro[1]

António Carneiro foi um espírito independente face às problemáticas nacionais do início do século XX, oscilantes entre a República e a Monarquia, alheado desta conjuntura, vagueou entre exposições coletivas e individuais, prémios, críticas, concursos, respostas a encomendas. Como artista era dedicado e seguia um trabalho árduo. A sua arte era na verdade o único sustento da família, o que o aumentava a sua responsabilidade.

A sua expressão artística estava próxima do simbolismo de Puvis de Chavannes e de Gustave Moureau e e a sua arte era profundamente intimista tal como se pode constatar nos auto-retratos ou nos registos infantis e femininos algo semelhantes aos  de Carrière.

Carneiro tinha um carácter melancólico que ficou plasmado tanto na sua pintura, como nos seus desenhos a sanguínea. O registo da solidão existencial foi uma tendência reveladora do seu eruditismo e intelectualidade. A solidão, mais do que requisito para a criatividade e necessária ao seu método de trabalho era também um processo natural, o que se manifestava mesmo nas suas viagens, que acabavam por ser acima de tudo viagens ao seu mundo interior. Para além da viagem a Itália, também França e Brasil o vão marcar profundamente. Em todas as viagens são a herança artística, os hábitos culturais e a vivência do sagrado, para além do seu recolhimento, saudade e introspeção que mais o tocam.

Em 1925, numa fase muito triste da sua vida devido ao agravamento da doença da sua filha que acabaria por falecer, obtém o mais que desejado atelier que foi inaugurado com uma exposição de pinturas e desenhos. A dificuldade e ter o seu próprio atelier tinha constituído para o artista fonte de amargura e desanimo e tal facto só se tornou possível graças ao mecenas brasileiro Domingos Rofino, que manteve o seu anonimato, e operou através da intervenção de Oliveira Cabral.

Pode já perto do final da sua vida beneficiar do conforto e da iluminação adequada à sua produção artística. Este atelier, hoje um museu, foi palco da sua criatividade melancólica e solitária mas também de tertúlias literárias com os intelectuais da sua geração.

Reconhecido por alguns como um dos “símbolos da geração saudosista d’A Águia e da Renascença Portuguesa”[2], este núcleo intelectual esteve muito presente nos anseios, temáticas e reflexões manifestadas na sua produção artística. Artista intelectual, investigador incansável da existência humana, das grandes interrogações do espírito, da metafísica, encontrou neste movimento intelectual o seu verdadeiro destino enquanto ilustrador.

Como pintor foi activo desde o pleno fin de siecle e até ao final da sua vida, foi incluído numa “segunda geração naturalista da pintura portuguesa”[3] . Não podemos contudo concordar com tal redutora classificação, na medida em que a sua arte apresenta uma plasticidade e diversidade únicas, marcadas por uma vivência laboriosa, espiritual e ascética da pintura.

Nos últimos anos beneficiando das vantagens de ter o seu atelier, entre 1925 e 1929, surgem alguns dos seus mais belos e icónicos trabalhos, como as diversas versões de Camões lendo “Os Lusíadas” aos Frades de São Domingos ou em 1928 a “agilidade de pensamento”, constituído pelo estudo gráfico de interpretação do Inferno, o primeiro cântico de A Divina Comédia de Dante Alighieri.

Bibliografia activa

CARNEIRO, António, VILA MOURA; Visconde de – Grandes de Portugal. 1.ª Edição. Porto: Renascença Portuguesa, 1916.

CARNEIRO, António – Solilóquios. Sonetos Póstumos. 2.ª Edição. Porto: Tip. Costa Carregal, 1980

Bibliografia passiva

Aa. Vv. – António Carneiro revisitado na galeria dos benfeitores da Santa Casa da Misericórdia do Porto. Porto: S.C.M.P., 2011.

ALMEIDA, António Manuel Passos de. “Vida e obra de António Teixeira Carneiro Júnior (1872-1930) ”. Revista Sapiens. História; Património e Arqueologia. n.º 1, (s/l.): julho de 2009.

ALMEIDA, Bernardo Pinto de. Caminhos da Arte Portuguesa no século XX. António Carneiro. O voo da águia. Lisboa: Caminho / Edimprensa, 2005.

ALVES, João. António Carneiro e a pintura portuguesa. Porto: Câmara Municipal do Porto, 1972.

AMORIM, José Carlos de Castro, António Carneiro Pluralidade e desígnios do Ilustrador, Universidade do Porto Faculdade de Letras / Departamento de Ciências e Técnicas do Património. Porto / 2012

CASTRO, Laura. António Carneiro. O universo no olhar. Matosinhos: Câmara Municipal de Matosinhos / Edições Afrontamento, 1996

CASTRO, Laura, António Carneiro, Lisboa: Edições Inapa, 1997

FRANÇA, José – Augusto. António Carneiro (1872-1930). Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1973.

António Carneiro. 1872-1930, Porto, Museu Soares dos Reis, 1973

– “António Carneiro”. Colóquio / Artes. 14º ano, Série II, n.º 10, Lisboa: dezembro de 1972.

LOPES, Joaquim – “António Carneiro. Grande artista e maior pintor intelectual do seu tempo 1872-1930”.Ocidente. Revista Portuguesa. vol. 16, n.os 45 – 48, Lisboa: janeiro a abril de 1942.

Um Artista excecional António Carneiro. Porto: Câmara Municipal do Porto, 1955.

PONTES, J.M. da Cruz. O pintor António Carneiro no Património da Universidade de Coimbra. Coimbra: Minerva,1997.

RAMOS, Afonso. António Carneiro. Pintores Portugueses. Lisboa: Quidnovi, 2010.

SAMUEL, Paulo. António Carneiro. O artista da Renascença Portuguesa. Matosinhos: Câmara Municipal de Matosinhos, 1988.

 

[1] Entrevista a António Carneiro, publicada no ano de 1923 – cf. Revista Portuguesa. n.º 10, (s/l): 19 de maio de 1923, p. 13.

[2] CASTRO, Laura. António Carneiro. O universo no olhar. Matosinhos: Câmara Municipal de Matosinhos / Edições Afrontamento, 1996, p. 26

[3] FRANÇA, José, Augusto. A arte em Portugal no séc. XIX. 3.ª Edição, vol. I. Lisboa: Bertrand Editora, 1990, p. 226