Pensamento Hispânico/Projecto Gerações

I COLÓQUIO INTERNACIONAL ‘GERAÇÕES HISPÂNICAS’ – 07/04/2017

José Esteves Pereira

1.Circunstância geocultural, hispanismo filosófico e pensamento hispânico.

Quando falamos em pensamento hispânico podemos estar a considerar, tão só, uma perspectiva geocultural ampla, que permita abranger melhor, no espaço e no tempo, as manifestações reflexivas que, desde logo, incorporam a realidade peninsular ibérica desde as suas raízes. Podemos falar tanto de Séneca, de Prisciliano, de Isidoro de Sevilha, de Paulo Orósio, de Feijoo ou de Vernei, como de Leonardo Coimbra ou Ortega y Gasset e imensos outros, enquanto pensadores que viveram num território outrora administrativamente organizado por Roma e designado como Hispânia. Ou considerar uma Grande Ibéria (Antiga e Nova) tal como Vamireh Chacon a caracterizou para finalidades de pesquisa em história das mentalidades:

Grande Ibéria (…) Antiga seminal, a de Portugal e Espanha de diversos reinos e etnias, Nova, as Américas portuguesas (Brasil) e Hispânicas de vários povos e idiomas. Grande Ibéria projectando-se também na África lusófona, ainda hispanófona na outrora Guiné espanhola, e além, na Ásia e Oceânia de Timor Leste. Quase omnipresente, menos ou mais, através de imigrantes portugueses e espanhóis na própria Europa, na América do Norte a língua castelhana chega a rivalizar com os anglofalantes (Chacon,2005:11).

Em todo o caso, as denominações englobantes desta realidade peninsular, que tiveram a ver com a expansão de Portugal e da Espanha nas Américas permitem-nos considerar denominações correntes como pensamento ibero-americano ou pensamento latino-americano assim como de modo mais regionalizado e específico falar de filosofia espanhola e ibero-americana ou de filosofia luso-brasileira. Já a designação hispanismo filosófico, por exemplo, de propósitos englobantes, institucionalizou-se a ponto de ter sido criada associação com esse nome.

Entretanto, o objectivo do projecto que começou a ser construído no Centro de História da Cultura e agora continua era o de encontrar um ponto de apoio para o estudo comparativo de expressões filosóficas, essencialmente, na área geocultural considerada, sendo certo que tínhamos plena consciência de que pensadores e estudiosos de origem ibero-americana prosseguiram e prosseguem o seu labor filosófico ou histórico-filosófico noutros países, por opção ou por motivos de exílio voluntário ou forçado. Além disso há investimento de hispanismo filosófico, a par da realidade mais vasta de centros de estudos hispânicos, ibero-americanos ou latino- americanos particularmente nos Estados Unidos mas, também, na Itália, na Polónia e em muitos outros países.

Porém, quanto à designação de hispanismo filosófico se é verdade que se aproxima da denominação que privilegiamos, possui um diferencial restritivo, consignado na especificidade do filosófico. Ora, como hoje se tornou pacífico, há inúmeras expressões culturais, nomeadamente estéticas, que se afirmam pelo sentido e pregnância reflexiva e especulativa não necessariamente vinculadas ao discurso filosófico sistemático ou assistemático. 

  1. Porquê estudo de gerações?

Referi-me, há pouco, a um ponto de apoio para o estudo comparativo de expressões do pensamento hispânico. Ora a realidade geração talvez permita um acercamento fecundo desse comparativismo. Mas previamente será sempre necessário um estudo individualizado dos integrantes dessa contiguidade existencial e de comuns propósitos que fazem uma determinada geração. Até porque há sempre diferenciações intra-geracionais. O que estamos a realizar nesta primeira fase é portanto, um levantamento por autores, individualmente, embora procurando, desde já, referenciar dados que possam aglutinar perspectivas comuns sobre os problemas do mundo, da vida, da sociedade, da política, da cultura. Para tanto, haverá que dar atenção ao problema orteguiano da contemporaneidade e da coetaneidade, aos elementos identificadores e aos que diferenciam, aos próprios confrontos, debates, polémicas, cisões dentro de uma dada geração às distinções sobre as  gerações anteriores e as que se seguem e a muitos outros aspectos .

Sobre o conceito, a realidade, o alcance do que seja geração nada melhor que lembrar as considerações de razão histórica de Ortega y Gasset e a sua teoria das gerações sobre o que Margarida Amoedo nos vai falar.

No decurso do projecto não deixaremos, aliás, de dinamizar a discussão sobre a questão mais teórica das gerações na sua vertente cultural, antropológica e sociológica.

Um outro problema que tivemos que encarar, desde o início, foi o do ponto de partida em termos de referência geracional cronológica de modo a proporcionar um trabalho comparativo dos distintos espaços culturais. Escolhemos a geração de (18) 98 na medida em que nos pareceu ser uma referência suficientemente abrangente do mundo hispânico. Mas concordo que possa ser um critério essencialmente pragmático, tanto mais que não vamos encontrar uma correlação temporal exacta com uma geração de 98 comum a Portugal, ao Brasil, à Argentina ou ao México. O mais importante, nesse aspecto, é ver como se podem efectivar aproximações temáticas em que a referência cronológica é meramente tópica. Para esse efeito procedeu-se, previamente, a um ensaio sobre correspondência da geração de 98, de Unamuno, de Azorín, de Ganivet, Maeztu, etc.. com a de Sampaio Bruno, de Basílio Teles (que será hoje objecto de uma intervenção de Júlio Rodrigues da Silva) ou de Guerra Junqueiro e outros. Quanto ao Brasil pareceu-nos que Farias Brito é susceptível de aproximações reflexivas como acontece para a Argentina com Ingenieros e Alexandre Korn ou para o Uruguai com Vaz Ferreira. E pode dar-se o caso de, por vezes, até, estar considerado nesses espaços culturais a denominação cronológica própria (Há uma geração de 90 em Portugal?). Também nada obriga a que tenha que se seguir um encadeamento geracional a partir da Geração de 98 espanhola considerando a de 14 (Ortega y Gasset, Eugénio d´ Ors, Garcia Morente).Para esse efeito, podemos, metodologicamente, privilegiar como referência a geração portuguesa de (19) 12 com Pascoaes, Pessoa, Sérgio, Proença, Leonardo, Aarão de Lacerda, etc. e acercarmo-nos, comparativamente, da referida geração espanhola de (19) 14 atendendo a aspectos de formação intelectual, de linguagem, de conceitos, de estilos geracionais e assim por diante. Temos provisoriamente definido o mesmo tratamento para as gerações que se segue até 1945. No mapeamento final se procederá a uma definição de coordenadas aproximativas.

Como todo o trabalho de investigação encontra-se estabelecido um road map embora ajustável no tempo e conforme as necessidades de resposta sobre problemas metodológicos que vão surgindo.

Finalmente gostaria de vos dar conta das etapas que constituem o nosso projecto:

1.Levantamento biobibliográfico de pensadores.

2.Itinerário filosófico e problemas fundamentais que podemos extrair do levantamento efectuado.

3.Estudos comparados

4.Elaboração de um “dicionário crítico” comparado (poderá revestir uma forma de disponibilidade de dados on line actualizáveis).

Chacon, Vamireh, A Grande Ibéria-Convergências e Divergências de uma Tendência,2005, São Paulo, UNESP.