ANITA MALFATTI

(02/12/1889 – 06/11/1964)

 

Autoria: Teresa Lousa

Horizonte geracional

1912- GERAÇÃO do Modernismo Brasileiro

País

BRASIL

Data e local de nascimento

São Paulo, 2 de Dezembro de 1889

Formação e acção

Anita Malfatti nasceu em São Paulo em 1889. Foi a segunda filha do italiano Samuele Malfatti e da norte-americana Eleonora Elizabeth. Com uma deficiência congénita, atrofia do braço direito, cedo aprendeu a escrever e a desenhar com a mão esquerda.

Iniciou os seus estudos em 1897 no Externato São José, (escola católica de freiras) onde recebeu os seus estudos primários. Logo depois passou a estudar em escolas protestantes: na Escola Americana em 1903, e pouco depois no Mackenzie College  onde, em 1906, onde recebe o diploma de normalista.

Relativamente à sua formação artística podemos afirmar que foi na intimidade familiar, com a sua mãe que tomou os primeiros contactos com o desenho e a pintura.

Uma aprendizagem mais académica das artes acontecerá na Europa, para onde parte em 1910. Estudou na Academia Real de Belas-Artes de Berlim, onde travou conhecimento com o Expressionismo alemão que muito marcará a sua produção artística. Parte depois para Nova Iorque, onde frequenta a Art Students League e a Independent School of Art entre 1915 e 1916.

Actividade desenvolvida

Em dezembro de 1917 realizou em São Paulo uma polémica exposição, considerada a primeira mostra de arte moderna significativa no Brasil. Apesar de Segall cronologicamente ter sido o primeiro pintor a expor arte moderna no Brasil, Malfatti teve “a prioridade de eficiência, de acção e arregimentação indiscutíveis”[1]. Enquanto a arte de Segall foi tranquila e mornamente aceite, Anita foi duramente criticada, sobretudo por Monteiro Lobato, despertando um misto de curiosidade e ódio nunca antes visto, mas recebeu o apoio de Oswald de Andrade, Mário de Andrade e Menotti del Picchia, que a defenderam, e viram nela uma fundadora dos princípios da arte moderna. Resumidamente, nas palavras de Lourival Gomes Machado, Anita tornar-se-ia “a protomártir da arte moderna no Brasil”[2].

Em torno de seu nome formou-se o grupo de intelectuais e artistas que iria organizar a Semana de Arte Moderna de 1922, na qual participou, expondo 20 obras. Em 1923 seguiu para a França com bolsa de estudos do governo de São Paulo e aí permaneceu até 1928.

Após a morte de sua mãe, Anita afastou-se de todo o meio artístico durante certo tempo e, quando regressou, abriu uma nova exposição individual, esta realizada em 1955, apresentando as suas criações durante sua reclusão.

Foi considerada uma das maiores pintoras brasileiras e com um papel estruturante na cena artística brasileira. Faleceu em São Paulo em 1964.

Data e local de falecimento

6 de Novembro de 1964, São Paulo

Lema e linha filosófica

Modernismo brasileiro; Movimento de Vanguarda; Semana de 22 em São Paulo

Linha filosófica e caracterização geral da obra

Podemos afirmar que Anita Malfatti foi uma pioneira do modernismo no Brasil, que em mais de 50 anos de produtividade contribuiu, mais do que muitos da sua geração, para a implementação de novas narrativas e linguagens artísticas no cenário cultural brasileiro.

A sua exposição de 1917 foi decisiva e despoletou uma reviravolta cultural na sociedade brasileira. Aqui a artista paulista expôs pinturas criadas até 1916 na Alemanha e nos Estados Unidos. As obras aqui exibidas provocaram um “abanão” no ambiente relativamente conservador da época, mas tiveram também a consequência algo nefasta para Anita de jamais voltar a atingir tal protagonismo nas suas exposições posteriores.

Esta exposição, que apresenta a primeira produção artística de Anita, teve o mérito de trazer a lume a grande novidade do que se fazia na Europa, provocando o choque pela diferença e originalidade. Assim afirmará Mário de Andrade ao defender que a exposição de 1917 tivera a mais violenta manifestação de vontades desencontradas, provocando tumultos e vozes críticas.

Monteiro Lobato criticou violentamente a ousadia de Anita, chegando mesmo a comparar, num aceso artigo que escreveu, o seu trabalho aos desenhos de doentes mentais institucionalizados.

É assim que em torno da reviravolta cultural provocada por Anita outros artistas e poetas começam a mostrar a sua inconformidade relativamente à sociedade provinciana e rígida de São Paulo na época, movimento cultural que terminará com a Semana de Arte Moderna de 1922 que contará com múltiplas pinturas de Malfatti. Após a Semana de 22, apresenta a sua amiga e pintora Tarsila do Amaral aos modernistas Mário de Andrade, Oswald de Andrade e Menotti del Picchia e integram juntos o “grupo dos cinco”.

Mário de Andrade é um grande amigo da pintora, com quem esta troca correspondência e impressões acerca de quase tudo. Para além de seu amigo este será um defensor omnipresente da sua arte e do seu pioneirismo, ao contrário de outras vozes críticas e depreciativas como, Sérgio Milliet, crítico de arte, que viu com grandes reservas a produção da pintora a partir de 1923, ano em que Anita Malfatti vai para Paris, acusando-a de ser uma pintora “passadista”. As pinturas que a projectaram como pioneira, O Homem Amarelo, O Japonês e Paisagens à beira mar, foram interpretadas como obras de arte de vanguarda, elevando a sua fasquia a um patamar ao qual segundo a crítica não mais voltará.

A pintura de Anita que tinha provocado o espanto da academia pela ousadia, num estilo que privilegiava as deformações e o uso audaz das cores lembrando os fauvistas e os expressionistas alemães, foi-se aos poucos transformando num estilo mais contido e equilibrado. Essa mudança no seu estilo pode ficar a dever-se por um lado à tentativa de agradar ao pensionato de que beneficiava para estudar no exterior, mas também a uma genuína busca das origens da pintura, a um interesse pelos primitivos, ou mesmo à recusa em pertencer a este ou àquele estilo, como se pode intuir nas palavras que dirige ao seu amigo Mário de Andrade numa carta de 1924: “Agora, coragem, apronte-se, vou dar-te uma notícia “bouleversante” — Estou clássica! Como futurista morri e já fui enterrada. Não falo a rir não. Pura verdade, podes rezar o Dei in pax na minha fase futurista, ou antes, moderna pois nunca pertenci a escola definida. Aliás, todos ou quase todos os artistas daqui estão enfrentando este tremendo problema, Matisse, Derain, Picasso. Todos passam atualmente esta reação. Andava apreensiva, mas estive com diversos artistas que me afiançaram ser esta a fase atual em Paris — voltamos à mãe Natureza.”[3]

A sua produção artística, ainda que catapultada pela sua fase de vanguarda, assenta num estilo livre e variado, num uso versátil da cor, havendo contudo alguns temas constantes como por exemplo a natureza-morta, e sobretudo o retrato, talvez o género mais dominante na sua pintura, que lhe permitiu tanto o desenvolvimento do seu estilo como a garantia da subsistência. Tal como a sua mãe, sobretudo a partir dos anos 30 a pintora dedicou-se ao ensino do desenho e da pintura.

A transformação que sofre do início da sua carreira para a maturidade fará com que se comece a afastar do modernismo que havia ajudado a desenvolver.

Nos anos 40, visita Belo Horizonte e algumas cidades históricas mineiras. Aí sente o impulso de representar aspectos etnográficos como as festas e as procissões locais. Na década de 50 Anita vive em auto exílio, distanciando-se de todas polémicas artísticas, do estrelato e da vida cosmopolita que outrora viveu. Em reclusão, até à sua morte em 1964, Mafatti encontrou a liberdade de pintar à sua maneira, dedicando-se no final da sua vida a uma pintura simples e despretensiosa dificilmente entendida pelos seus amigos modernistas.

Mário de Andrade, que tão bem a conheceu, apelidou-a sensitiva do Brasil: “Pois essa é Anita Malfatti [um] dos mais inquietos, dos mais elevados e sérios temperamentos artísticos deste nosso dia brasileiro.”[4]

Bibliografia activa

MALFATTI, Anita. Cadernos de História da Arte. Caderno 6-Arte Moderna, c.1933 (manuscritos inéditos, não publicados). Arquivo Anita Malfatti – IEB/USP.

MALFATTI, Anita. “1917”. In, RASM- Revista Anual do Salão de Maio, n. 1, São Paulo, 1939.

Bibliografia passiva

ANDRADE, Mário de. Cartas a Anita Malfatti– Organização Marta Rossetti Batista. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1989

BATISTA, Marta Rossetti. Anita Malfatti no tempo e no espaço: biografia e obra. São Paulo: Editora 34- EDUSP, 2006.

CAMARGO, Ani Perri. Anita Malfatti: a festa da cor. São Paulo: Terceiro nome, 2009.

CARDOSO, Renata Gomes, Modernismo e Tradição: A popularidade de Anita Malfatti nos anos de 1920, Tese de Doutoramento, Campinas, Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Artes, 2012.

CHIARELLI, Tadeu. Tropical, de Anita Malfatti: reorientando uma velha questão. São Paulo: Novos Estudos, Cebrap, 2008, nº80.

MALFATTI, Doris. Minha tia Anita Malfatti. São Paulo: Editora Terceiro Nome, 2009.

MENDES DE ALMEIDA, Paulo. De Anita ao museu. São Paulo: Perspectiva, 1976. (nova edição em 2015)

PORTINARI GREGGIO, Luzia – Catálogo da Exposição: “Anita Malfatti – 120 anos de nascimento “– CCBB de Brasília, 2010. 160 pg. 120 Ilustrações.

PORTINARI GREGGIO, Luzia. Anita Malfatti – Tomei a liberdade de pintar a meu modo. São Paulo: Magma Cultural Ed., 2007, 150 ilustrações.

VIVEIROS, Ricardo. Anita Malfatti revisitada: a festa da forma, a festa da cor. São Paulo: Associação Brasileira da Indústria Gráfica, (Set./Out.), 2001.

[1] Mário da Silva Brito, História do Modernismo Brasileiro, R.J.: Civilização Brasileira,1997, p. 61

[2] Wilson Martins, O Modernismo, A Literatura Brasileira, Vol. VI, São Paulo, Editora Cultrix, 1973, p. 26

[3] Carta de Anita Malfatti para Mário de Andrade, Paris, 23 fev. 1924. Arquivo Mário de Andrade, IEB-USP

[4] Mário de Andrade. “Anita Malfatti”. A Manhã, Suplemento de São Paulo, 31 de julho de 1926