ANTÓNIO SÉRGIO

(03/09/1883 – 24/01/1969)

Autoria: José Esteves Pereira

Horizonte geracional

GERAÇÃO DE 1912

País

Portugal

Data e local de nascimento

Damão, 3 de setembro de 1883

Formação e acção

António Sérgio de Sousa Júnior estudou no Colégio Militar e depois na Escola Politécnica e na Escola Naval seguindo uma tradição familiar. Depois de obter a formação na Escola Naval seguiu a carreira de oficial da Marinha, tendo realizado várias viagens que o levaram a Macau e a Cabo Verde. Em 1910 abandona a carreira militar por motivo de saúde. Em 1912 desiste do concurso a um lugar da Assistente da Secção de Filosofia da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa a que se candidataram também Leonardo Coimbra e Matos Romão. Inicia a sua colaboração na revista “A Águia” órgão da Renascença Portuguesa ainda na 1ºsérie, em 1911. Ao serviço de uma empresa editorial norte-americana parte para Londres em 1912 onde permanece entre Agosto e Outubro deslocando-se, em seguida, para o Rio de Janeiro de onde regressa em Fevereiro de 1914. Frequentará, entretanto, em Genebra com sua mulher Luísa, desde a Primavera de 1914 até ao Verão de 1916, a Escola das Ciências da Educação (mais conhecida por Instituto Jean-Jacques Rousseau), fundada por Édouard Claparède com quem priva obtendo conhecimento das linhas orientadoras da  Escola Nova.

Actividade desenvolvida

Durante o consulado sidonista (1918-19), lança a revista Pela Grei  com o propósito de lançar um programa de Fomento Nacional. Integra em 1920 a direção da Seara Nova  com Raul Proença e Jaime Cortesão. No governo de Álvaro de Castro (1923) assume a pasta da Educação onde  cria a Junta de Ampliação de Estudos, organismo autónomo destinado a distribuir bolsas para investigação no estrangeiro e financiamento de instituições de ensino e pesquisa. Exila-se em Paris, em 1926 de onde regressa em  1933. A partir de então, ao mesmo tempo que ajuda a promover o movimento cooperativista de que se torna activo teorizador desenvolve, de um modo crítico e reflexivo, a sua obra de ensaísta ao mesmo tempo que se assume como opositor  ao regime do Estado Novo. Fez parte do Movimento de Unidade Democrática, juntamente com o General Norton de Matos, Ruy Luís Gomes e Bento de Jesus Caraça, Fernando Lopes Graça, Ferreira de Castro, Abel Salazar, Miguel Torga, Vitorino Magalhães Godinho, Mário Dionísio e Francisco Salgado Zenha entre muitos outros. Em 1958 apoia, ativamente, a candidatura do General Humberto Delgado à Presidência da República.

Data e local de falecimento

24 de janeiro de 1969, Lisboa

Lema e linha filosófica

Racionalismo

Linha filosófica e caracterização geral da obra

Quanto à linha filosófica prosseguida por António Sérgio importa referir os modos diferenciados como tem sido interpretado o seu percurso especulativo. Enquanto uns pretendem ver uma unidade de pensamento intuída desde as suas primeiras tentativas reflexivas que, de certo modo, o próprio pensador procurou legitimar pode, igualmente, considerar-se um primeiro momento centrado na reacção ao cientismo naturalista que antecede o assumir do seu racionalismo e idealismo crítico. Para provar esta última interpretação teríamos, por um lado a evidente recusa  ao cientismo que se manifesta nas considerações que desenvolve nas suas Notas sobre os sonetos e as tendências gerais da filosofia de Antero de Quental, que vieram a lume em 1909 e, também, no entrecho da sua meditação, a relação de ciência e consciência. Para Sérgio, a verdade da ciência é uma verdade subjectiva e limitada ao conteúdo dos estados de consciência, havendo limites à completa inteligibilidade tanto no conhecimento do sujeito como no conhecimento do objecto. Ao contrário do que se passará em ocasião posterior marcada pela espontaneidade e autonomia da consciência na altura em que elabora as Notas tal não se verifica. Nas Notas se verificará, ainda, o primeiro embate com Descartes recusando-lhe o substancialismo de “res cogitans” e a consequente irredutibilidade do físico e do psíquico presente, também, em Spinoza. Mas, atento à noção de força avançada por Leibniz parece encontrar no pressuposto de que Quod non agit, non existit uma injunção psiquista formulada em termos de vontade superadora da extensão inerte cartesiana e possibilitadora de uma transição entre o material e o mental. Porventura sintonizado com Alfred Fouillé, nesta primeira fase talvez se possa compreender uma atitude metafísica fundada na ciência de que o conceito de “ideia-força” mesmo que não expressamente invocado por Sérgio poderia constituir referência fecunda para a sua reflexão ulterior. Poderemos afirmar que em 1909 ainda não era liminarmente negado pelo futuro ensaísta o materialismo embora não lhe restassem dúvidas que este carecesse de capacidade explicativa. Na mesma linha de crítica ao naturalismo vemos Sérgio interessado em definir um pensamento ético em que contesta  a matriz biológica spenceriana e  darwinista da “glorificação da luta” de contornos egoístas aderindo, pelo contrário, a uma moral de simpatia que pôde haurir, como muito dos intelectuais da sua geração, em Jean-Marie Guyau. Para Sérgio, a luta pela vida não era uma lei fundamental da biologia mas apenas um estado inicial da existência. Nos primórdios da reflexão sergiana o conhecimento é adaptação do ser ao meio em que o indivíduo é essencialmente activo , tomando a  iniciativa da pergunta e a iniciativa da resposta, atitude que se densificará no seu idealismo posterior . No exercício poético a que não foi alheio nesta altura da vida a ideia sai da acção e volta á acção de ta lmodo que a verdadeira realidade é a Poesia. “Mais bela , mais alta, mais admirável que tudo isto, surge da natureza, que é acção, a ideia que também o é, que desponta, que se move, que mergulha e se realiza na natureza” (Notas, pp. 185-189). Cumpre nunca perder de vista, também, que a reflexão sergiana está muito marcada por uma dimensão ética e um  ideal pedagógico voltado para a acção cívica e política sem o que não se logra compreender a totalidade da sua obra de propósitos interventivos e polémicos.

Entretanto, em fase mais madura dos seus interesses especulativos-por vezes afirmados de modo disperso e mesmo impreciso- reafirma-se o plano da consciência e do conhecimento e a sua radical recusa à esfera do sensível e da empiria que vem a definir-se no seu racionalismo e platonismo axiais. Este posicionamento gnoseológico é afim de uma simpatia neokantiana expressa num peculiar formalismo (“Construí livremente o meu platonismo próprio (que resultou kantiano, porém de um kantismo mais puro que o do próprio Kant, ou de um “kantismo ideal”)”. No conhecimento o espírito é sempre ativo. O intelecto cria o objecto como possibilidade de um dever ser inteligível do mundo impelindo o homem para o estabelecimento de relações coerentes expressas numa inteligibilidade universal nos domínios especulativo e prático. Há um único pensamento de que todo o humano participa e funda  a existência possível consubstanciado naquilo que se corporiza como Uno unificante, unidade do espírito puro na incondicionalidade das vontades, constelação de ideias morais identificadas com o divino de um modo imanentista e intelectualista quer  “no sentido da fonte criadora e viva de todo o ímpeto real para a compreensão das coisas” quer “no sentido da universalidade e da espiritualização da consciência”.

Bibliografia activa

Notas sobre os Sonetos e as Tendências Gerais da Filosofia , de Antero de Quental, Lisboa, Livraria Ferreira Editora,1909 (reedição em Notas sobre Antero, Cartas de Problemática e outros textos filosóficos, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2001, pp.57-144)

Ensaios I (Rio de Janeiro,1920);

Ensaios II (Lisboa, 1929);

Ensaios III (Porto, 1932);

Ensaios IV (Lisboa, 1934);

Ensaios V (Lisboa, 1936);

Ensaios VI (Lisboa, 1946);

Ensaios VII (Lisboa, 1954);

Ensaios VIII (Lisboa, 1958)

Cartas de Problemática, Lisboa, Editorial Inquérito,1952-1955, 12 fls. (reedição em Notas sobre Antero, Cartas de Problemática e outros textos filosóficos, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda,2001, pp. 311-457);

Cartesianismo Ideal e Cartesianismo Real, Lisboa, Seara Nova,1937 (2ª edição, Editorial Inquérito s/d [1959] e  reedição em Notas sobre Antero, Cartas de Problemática e outros textos filosóficos, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2001, pp. 179-207).

Bibliografia passiva

BRANCO, José de Oliveira, O humanismo crítico de António Sérgio,Análise dos seus vectores filosóficos, Coimbra, 1986.

CARDIA, Mário Sottomayor, O pensamento filosófico do jovem Sérgio, Lisboa, Centro de História da Cultura da UNL, 1982( sep. de “Cultura-História e Filosofia”, Vol. I).

CARVALHO, J. de Montezuma de, António Sérgio-A Obra e o Homem, Lisboa, 1979.

LEONE, Carlos, O essencial sobre António Sérgio, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2008.

MESQUITA, António Pedro, Ensaios Sergianos e outros estudos convergentes, Lisboa, Esfera do Caos, 2013.

SOVERAL, Eduardo Abranches de, O pensamento de António Sérgio-Síntese interpretativa e crítica, Porto, Granito, Editores e Livreiros, 2000.

VILHENA, Vitorino de Magalhães, O idealismo crítico e a crise da ideologia burguesa, Lisboa, Seara Nova, 1964;

  1. AA. António Sérgio, “O Tempo e o Modo”, 69-70 (1969)
  2. AA. António Sérgio, “Revista de História das Ideias”, nº 5, 1983,2 vols.
  3. AA. António Sérgio-Pensamento e Acção, Lisboa, Porto, Imprensa Nacional-Casa da Moeda/Universidade Católica Portuguesa, 2004, 2 vols.