(10/12/1920 – 09/12/1977)
Autoria: Cecília Barreira – Teresa Lousa
Horizonte geracional
GERAÇÃO DE 45
País
Brasil
Data e local de nascimento
10 de Dezembro de 1920, Oblast de Vinnitsa, Ucrânia.
Formação e acção
Foi uma escritora brasileira, reconhecida mundialmente. Pertencente à terceira fase do modernismo brasileiro, Geração de 45.
Nasceu na Ucrânia e era filha de pais judeus. Durante a infância de Clarice os pais, Pinkhas Lispector e Mania Krimgold Lispector, fugiam da perseguição aos judeus durante a Guerra Civil Russa (1918-1920).
Emigrou em 1921, com apenas 2 anos, para Maceió, Alagoas, no Brasil, onde morava uma tia, irmã da mãe. Nascida Haia Pinkhasovna Lispector, mudou o nome, por iniciativa do pai, para Clarice Lispector.
Em 1925 mudou se com a família para o Recife onde passou a infância. Os pais passaram algumas dificuldades financeiras.
Desde muito pequena estudou várias línguas: português, francês, hebraico, inglês, etc.).
Em 1936 terminou o ginásio e ingressou, em 1937 na escola preparatória. Em 1938, mudou de escola preparatória, passando para o colégio Andrews, na praia de Botafogo, onde declarou-se nascida em Pernambuco. Após a morte da mãe, iria viver para o Rio de Janeiro e em 1939 entra em Direito na Universidade Federal do Rio de Janeiro.
O seu crescente desinteresse pelo Direito leva-a a aprofundar os seus estudos em antropologia e psicologia e em 1940 publica o primeiro conto Trinfo na Revista Pan.
Abraçou o jornalismo a partir de 1940 e trabalhou na Agência Nacional, no Correio da Manhã e no Diário da Noite.
Em 1943, formada em Direito, casa-se com o colega de turma Maury Gurgel Valente e publicou o primeiro romance Perto do Coração Selvagem.
O marido pertencia ao corpo diplomático e Clarice percorreu mundo com ele. Em 1949 nasceu na Suíça o seu primeiro filho e em 1953, o segundo, nos EUA.
Em 1959 separa se do marido e volta ao Rio de Janeiro com os filhos, trabalhando no Correio da Manhã com a rúbrica Correio Feminino. Em 1960 lança o livro de contos Laços de Família. No ano seguinte o romance A Maçã no Escuro, obtendo sempre prémios literários.
Em 1966 sofre queimaduras graves no corpo devido a um incêndio provocado pelo esquecimento de um cigarro aceso enquanto dormia. Lutou pela vida durante três dias. Sua mão direita foi quase amputada devido aos ferimentos e esteve internada mais de dois meses.
A obra A Paixão Segundo G.H. (1961) ou A Maçã no Escuro (1961) incendeiam os leitores por uma escrita esplendorosa e caótica, na busca de um sentido da vida.
Morre prematuramente a 9 de Dezembro de 1977 no Rio de Janeiro, nas vésperas de fazer 57 anos, vítima de cancro nos ovários. Pouco antes tinha publicado a novela A Hora da Estrela.
Numa das suas últimas entrevistas Clarice afirma em tom premonitório:
“Nasci em Tchetchelnik, Ucrânia, no dia 10 de dezembro. Meus pais estavam a caminho do Brasil quando precisaram fazer uma pequena parada nesta cidade para que eu nascesse; assim, cheguei ao Brasil com dois meses de idade. E não sei porquê sempre pensei que também algum dia de dezembro morreria. Seria como encerrar um ciclo.” (Clarice Lispector apud Oliveira, 1989, p.49)
Actividade desenvolvida
Dominava muitas línguas, daí ter sido uma tradutora de renome.
Traduziu 35 livros de escritores, de Agatha Christie a Allistair MacLean, de Júlio Verne a Jonathan Swift.
Por exemplo, a 10 de Outubro de 1940 foi publicado um conto de Clarice na Revista de Cultura. Jornal de Poesia, intitulado “Eu e o Jimmy”. E os contos vão sendo publicados, no semanário Dom Casmurro ou pelo Vamos Ler (1941).
Com Lúcio Cardoso desenvolveu uma amizade cúmplice que lhe abriu muitas portas, nomeadamente porque ambos trabalhavam na Agência Nacional. Também por sua mão passa a frequentar uma tertúlia de intelectuais com Vinícius de Moraes, Rachel de Queiroz, Otávio de Faria.
Perto do coração selvagem ganhou o Prêmio Graça Aranha de melhor romance em 1945.
Publicou tantos escritos para agradar o regime de Vargas, como tantos outros intelectuais brasileiros coevos.
Data e local de falecimento
9 de Dezembro de 1977, Rio de Janeiro.
Lema e linha filosófica
A prosa de Clarice é filosófica e existencial. Podemos considerar que a sua linha filosófica é o existencialismo literário.
Linha filosófica e caracterização geral da obra
A escritora Katherine Mansfield influenciaria Lispector ao longo de toda a sua vida como alma mater, sobretudo através do livro Felicidade.
Chegou a conhecer muito bem a poesia de Pessoa, de Cecília Meireles, e de Drummond de Andrade.
A estreia de Clarice foi comparada, na obra, com o escritor James Joyce, com Sartre e Proust, mas era muito mais do que inspiração: era uma pedrada no charco da escrita da época.
A narrativa de Clarice já anunciava uma polissemia que não era comum na escrita desse tempo. Narrativa da fragmentação, também.
Em 1946 publica O Lustre. A obra A paixão segundo G.H. (1965) deu origem a técnicas literárias inovadoras o que caiu bem nos meios universitários brasileiros.
As personagens em Clarice não se adaptam ao mundo real, à rotina. È uma prosa que se vira para o quotidiano das pessoas Os narradores interligam-se com as personagens e os leitores.
Clarice muito cedo foi reconhecida pelos meios intelectuais. Quando publica Perto do Coração Selvagem (1944) foi logo elogiada. Muitas teses de mestrado e doutoramento têm trabalhado a obra de Clarice.
Em 1944 os romances eram muito “realistas” e a obra da autora rompe nesse adorno simpático do realismo. As estruturas do texto são fragmentadas e deixam o leitor, por vezes, perdido no vazio. Nos anos 40 não era fácil escrever com esta capacidade.
Tal como em toda a grande escrita do século XX, as narrativas não são obras acabadas, recorrendo-se a associações, memórias, fragmentação. Com a Psicanálise a desfragmentação de estruturas aparentemente sólidas foram tomando lugar. A pintura de novecentos é abstrata e confessional. Tudo se dilui, tudo se reacende. Tudo se reaprende. Estávamos longe das certidões do tempo e do espaço como organizadoras da narrativa.
Em 1960 no livro de contos Laços de Família verifica-se a criação de tempos que se esvaem ou que se imponderam.
Os críticos apontam nos anos 40 para duas vozes singulares no Brasil: Guimarães Rosa e Lispector.
A prosa de Clarice é filosófica e existencial e, apesar da dominância das personagens femininas, tal como a autora referencia, não há géneros do feminino e do masculino, a não ser na estereotipia. A sua temática passa muito pelos encontros e desencontros e pela diversidade dos relacionamentos entre indivíduos, do impacto destas no interior da estrutura emocional de cada pessoa.
A sua escrita ao situar-se na prosa poética não se deixa definir através de uma categoria exclusivamente intelectual e muito menos filosófica.
A Filosofia na sua escrita é a perceção de realidades de hipertexto. É o prolongamento de questões infindáveis sobre o ser e a existência. Há uma dimensão filosófica na sua obra que se prende com a angústia, com o lado “desconcertante” da vida, podendo até falar-se numa certa dimensão existencialista da sua obra, não necessariamente um existencialismo pessimista. A sua escrita é simultaneamente um reconhecimento e uma tentativa vã de superar a agonia da existência. Clarice revela uma perplexidade angustiante muito própria da filosofia existencialista, assim como apresenta uma acepção da liberdade muito ao estilo de Sartre: a liberdade é compreendida como uma condenação, esse é o nosso inferno.
Clarice faz a afirmação do tangível, de um pensamento em associação com a sensação. Há uma certa afirmação do corpo. Em “A Hora da Estrela” Clarice caracteriza-se da seguinte maneira: “Eu não sou um intelectual, escrevo com o corpo.” É também nesta obra que conclui ao estilo kafkiano afirmando que “a vida é um soco no estômago”. No campo do seu discurso literário Clarice privilegia a intuição em detrimento do logos racional. A intuição materializa-se num saber sensível próprio do corpo que a autora vê como máxima consciência: este saber é sensação, é imediatez, é desejo, é instinto, é revelação.
Em relação a Deus, Lispector tinha uma posição algo mística sem contudo ser religiosa. Na sua sintaxe livre e despudorada Clarice usava expressões controversas como “Perdoar Deus”, “insanta” ou “antipecado”. Na sua prosa o lugar do divino pode ser o sensível, e o tangível pode ser o sagrado. Em a “Paixão segundo G. H.”, a sua obra com maior densidade filosófica” chega mesmo a afirmar que “Falar com Deus é o que de mais mudo existe. (…) O divino para mim é o real.”
Bibliografia activa
Romance
- Perto do coração selvagem (1943)
- O lustre (1946)
- A cidade sitiada (1949)
- A maçã no escuro (1961)
- A paixão segundo G. H.(1964)
- Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres (1969)
- Água viva (1973)
- Um sopro de vida (1978)
Novela
- A hora da estrela (1977)
Contos
- Laços de família (1960)
- A legião estrangeira (1964)
- Felicidade clandestina (1971)
- Onde estivestes de noite?(1974)
- A via crucis do corpo (1974)
- O ovo e a galinha (1977)
- A bela e a fera (1979)
Literatura infantil
- O mistério do coelho pensante (1967)
- A mulher que matou os peixes (1968)
- A vida íntima de Laura (1974)
- Quase de verdade (1978)
- Como nasceram as estrelas (1987)
Crónicas
- Para não esquecer (1978)
- A descoberta do mundo (1984)
Correspondências
- Correspondências (2002)
- Minhas queridas (2007)
Artigos de Jornais
- Outros Escritos (2005)
- Correio Feminino (2006)
- Só para mulheres (2006)
Principais Edições em Portugal:
Lispector, Clarice, Onde Estiveste de Noite, Lisboa: Relógio D’Água, 1989
—, Perto do Coração Selvagem, Lisboa: Relógio D’Água, 2000
—, A Maçã no Escuro, Lisboa: Relógio D’Água, 2000
—, A Paixão segundo G. H., Lisboa: Relógio D’Água, 2000
—, A Hora da Estrela, Lisboa: Relógio D’água, 2002
—, O Lustre, Lisboa: Relógio D’Água, 2002
—, Água Viva, Lisboa: Relógio D’Água, 2002
—, Uma Aprendizagem ou O Livro Dos Prazeres, Lisboa: Relógio D’água, 2004
—, Laços de Família, Lisboa: Cotovia, 2006
—, A Cidade Sitiada, Lisboa: Relógio D’Água, 2009
—, Um Sopro de Vida, Lisboa: Relógio D’Água, 2012
—, A Descoberta do Mundo, Lisboa: Relógio D’Água, 2013
—, Todos os Contos, Lisboa: Relógio D’Água, 2016
Bibliografia passiva
NUNES, Benedito. Leitura de Clarice Lispector. São Paulo: Edições Quiron, 1973
MOSER, Benjamin. Clarice, uma biografia. Traduzido por José Geraldo Couto, Editora Cosac Naify, 2009.
OLIVEIRA, Maria Elisa de, “Considerações a respeito do existencialismo de Clarice Lispector”, in Trans/Form/Ação, 1989, 12, p. 47-56