ANTÓNIO FERRO

(17-08-1895 – 11-11-1956)

Autoria: Teresa Lousa

Horizonte geracional

GERAÇÃO DE 1914-1915 – Integralismo Lusitano / Geração de Orpheu

País

Portugal

Data e local de nascimento

Lisboa, 17 de agosto de 1895

Formação e acção

Em 1911 estudou no Liceu Camões em Lisboa, onde foi colega de Mário Sá Carneiro. De 1913 a 1918 frequenta o curso de Direito na Universidade de Lisboa. Em 1914, com cerca de 18 anos, António Ferro foi o primeiro director da Revista Orpheu, para o que foi escolhido pelo seu amigo Mário de Sá Carneiro, precisamente por ser ainda menor.

Actividade desenvolvida

Como jornalista, escreveu para O Jornal 1919 (órgão do Partido Republicano Conservador), foi jornalista de O Século e do Diário de Lisboa. Foi director da Revista Illustração Portugueza e repórter internacional do Diário de Notícias.

Colaborou como escritor e poeta para as revistas Alma nova  (1915-1918), Exílio  (1915) e a Contemporânea  (1922-1924). Em livro, publicou conferências, reportagens, entrevistas, contos, o livro de aforismos e paradoxos Teoria da Indiferença  (1920) e o “romance fragmentário” Leviana  (1921).

Manifestou um forte interesse pelo fascismo, como se verifica nas suas entrevistas Viagem à Volta das Ditaduras  (1927). Entrevistou  Mussolini e chegou a ter uma entrevista marcada com Hitler  (mas que não se chegou a concretizar).

Para o Estado Novo, António Ferro foi eleito o director do Secretariado da Propaganda Nacional  (SPN), A cumplicidade entre este e Salazar era tal que foi o próprio Ferro quem sugeriu a Salazar em 1932 a criação deste organismo que se dedicasse à propaganda e à formulação doutrinária, à qual dará o nome de Política do Espírito. Mais tarde o mesmo organismo muda de nome para Secretariado Nacional de Informação  (SNI) e Ferro mantém-se seu director até 1949.

O final dos anos 40 trouxe também o fim da “política do espírito”. O afastamento de António Ferro do S.N.I. foi a queda total da política cultural do regime.

Foi uma figura determinante na realização da grande Exposição do Mundo Português  (1940).

Foi fundador do Museu de Arte Popular, da Companhia Portuguesa de Bailado Verde Gaio  (1940) e presidente da Emissora Nacional  (1941). António Ferro morreu a 11 de novembro de 1956 em Lisboa.

Data e local de falecimento

11 de Novembro, Lisboa.

Lema e linha filosófica

Foi um intelectual decisivo no período do Estado Novo, apresentou uma visão estética e ímpar acerca da identidade nacional e sua manifestação artística e cultural plasmada sobretudo na sua “política do espírito” levada a cabo entre 1932 e 1949.

Linha filosófica e caracterização geral da obra

Se houve um pensamento filosófico em António Ferro, este teria de passar pelo conceito de “Política do Espírito” e a sua campanha a favor da utilização das artes e das letras como propiciadores de uma “atmosfera saudável”, que cultivasse nos portugueses o amor da pátria, o culto dos heróis, as virtudes familiares, a confiança no progresso, o elogio do regime totalitário fascista português.

Com a Política do espírito, que inclui iniciativas como a “Campanha do bom gosto”, António Ferro consegue ao mesmo tempo utilizar o mundo das artes para a promoção da ideologia salazarista e impor alguns traços de uma “estética salazarista”, ou de um “estilo” para o Estado Novo. O espírito é como um fio condutor que, associado à arte, se torna uma ponte entre o mundo palpável e material e o espírito que o transcende.

Nas palavras do seu filho António Quadros, Ferro defende que “A literatura, a arte e a ciência não foram criadas pelo homem, ou por Deus, para insultar ou diminuir a vida, mas para a engrandecer, para lhe dar maior altura. Pode até afirmar-se que o espírito é o céu real do quotidiano, aquele a que podemos subir, de quando em quando, entre as nossas milhentas ocupações. […] não há espírito do mal. Aquilo que se chama espírito do Mal é o materialismo. O espírito do Bem é propriamente o espírito. (…) “Política do espírito […] é, portanto, aquela que procura proteger todos os criadores de Beleza, não só estimulando-os a produzir obras de arte como preparando-lhes aquela atmosfera moral em que o espírito seja espírito, em que o espírito […] seja a vitória do espírito!”.[1]

Esta visão bipartida (espírito versus matéria, Mal versus Bem) subentende a orientação estética que será desenhada pela propaganda salazarista. Associa o bem ao espírito (alma, sonho, céu…) e o mal à matéria (quotidiano, real, terra…) e define os artistas correspondendo a estes ditames como “criadores de Beleza”, devendo estes procurar elevar-se ao espírito e não baixar à vil matéria.

Ainda do seu pensamento estético faz parte uma certa visão, muito própria, do modernismo. A lógica anti-moderna de António Quadros tende a ver o «puro modernismo» como um beco sem saída, uma irreverência gratuita, que os valores cristãos e nacionais vieram amortecer. O papel de António Ferro teria sido salvar os modernistas de si próprios, conduzindo-os à moderação que advém dos valores eternos do Espírito, da Tradição e da Pátria. A ideia persistente de uma conciliação entre modernismo e tradicionalismo talvez traduza uma inesperada vitória da propaganda de António Ferro. Pode dizer-se que este abandonou o modernismo, adoptou o nacionalismo e procurou, muito retoricamente, uma síntese de ambos, como fica bem patente nas palavras do próprio: é «aquela saudável inquietação que marcha, sem desvios, através de acidentais desequilíbrios, para o Equilíbrio, a inquietação da Ordem» (…) «Inquietos, sim, mas não viciosos! Artistas mas não criminosos!»[2]

António Ferro defendia a existência de duas tendências dentro da arte moderna: uma equilibrada, «autêntica» e outra radical, estrangeira, «extravagante», «anárquica». A sua intenção é valorizar a primeira e contribuir para o que, em 1940, já lhe parecia plenamente alcançado: a existência de «uma arte moderna profundamente nacional».[3]

Obcecado pela criação de uma especificidade nacional imediatamente identificável pela harmonia pitoresca, Ferro, apoiando-se na realidade, desviava-a e “preconizava uma maquilhagem que não era nem moderna nem antiga, mas o fruto dum estilo determinado, duma graça determinada, dum toque de originalidade determinada…” (Acciaouli, 1991).

António Ferro estabelece a prioridade absoluta da identidade nacional na arte. Para este a arte tem que reflectir a nação onde nasce e acusa os defensores do «internacionalismo» de estarem simplesmente a adoptar a arte de outro país. A Arte moderna, só faria sentido se ela se moldasse a um estilo nacional: uma arte portuguesa com raízes na nossa alma: tanto mais universal quanto mais nacional.

Assim, o Museu de Arte Popular inaugurado em 1948, representava o “exemplo de soberania espiritual, da nossa profunda diferenciação, retrato da alma de um povo que não quer renunciar nem à sua raça nem ao seu carácter”.[4]

Bibliografia activa

FERRO, António, As Grandes Trágicas do Silêncio. Lisboa: edição do autor, 1917.

, O Ritmo da Paisagem. Lisboa: edição do autor, 1918.

—, Teoria da Indiferença. Lisboa: Portugália Editora, 1920.

—, Árvore de Natal. Lisboa: Portugália Editora, 1920.

—, Leviana. Novela em fragmentos. Lisboa/Rio de Janeiro: H. Antunes & Cª Editores, 1921.

, A Arte de Bem Morrer. Rio de Janeiro: H. Antunes & Cª Editores, 1923.

, A Idade do Jazz-Band. Rio de Janeiro: H. Antunes & Cª Editores, 1923.

, Batalha de Flores. Rio de Janeiro: H. Antunes & Cª Editores, 1923.

, Leviana. Novela em fragmentos. Lisboa: Roger Delraux, 1923.

, Mar Alto. Lisboa: Portugália Editora, 1924.

, A Amadora dos Fenómenos. Porto: Livraria Civilização, 1925.

—, Viagem à Volta das Ditaduras, Lisboa: Empresa «Diário de Notícias», 1927.

, Praça da Concórdia. Lisboa: Empresa Nacional de Publicidade, 1929.

, Novo Mundo, Mundo Novo. Lisboa: Portugal/Brasil, 1930.

, Hollywood, Capital das Imagens. Lisboa: Portugal/Brasil, 1931.

, Salazar: O Homem e a sua Obra. Lisboa: Empresa Nacional de Publicidade, 1933.

, Salazar: Le Portugal et son Chef. Prefácio de Oliveira Salazar. Paris : Éditions Bernard Grasset, 1934.

, Homens e Multidões. Lisboa: Bertrand, 1941.

, Dez Anos de Política do Espírito 1933-1943. Lisboa: Edições SNI, 1943.

, Apontamentos para uma Exposição. Lisboa: Edições SNI, 1949.

, Arte Moderna. Colecção “Politica do Espírito”. Lisboa: Edições SNI, 1949.

, Artes Decorativas. Colecção “Politica do Espírito”. Lisboa: Edições SNI, 1949.

, Eça de Queiroz e o Centenário do seu Nascimento. Colecção “Politica do Espírito”. Lisboa: Edições SNI, 1949.

, Estados Unidos da Saudade. Colecção “Política de Espírito”. Lisboa: Edições SNI, 1949.

, Imprensa Estrangeira. Colecção “Politica do Espírito”. Lisboa: Edições SNI, 1949.

, Jogos Florais. Colecção “Politica do Espírito”. Lisboa: Emissora Nacional, 1949.

, Museu de Arte Popular. Colecção “Politica do Espírito”. Lisboa: Edições SNI, 1949.

, Panorama dos Centenários 1140-1640. Colecção “Politica do Espírito”.Lisboa: Edições SNI, 1949.

, Turismo Fonte de Riqueza e de Poesia. Colecção “Politica do Espírito”. Lisboa: Edições SNI, 1949.

, Prémios Literários 1934- 1947. Colecção “Politica do Espírito”. Lisboa: Edições SNI, 1950.

, Problemas da Rádio. Colecção “Politica do Espírito”. Lisboa: Edições SNI, 1950.

, Sociedades de Recreio. Colecção “Politica do Espírito”. Lisboa: Edições SNI, 1950.

, Teatro e Cinema 1936-1949. Colecção “Politica do Espírito”. Lisboa: Edições SNI, 1950.

, D. Manuel II, o Desventurado. Lisboa: Livraria Bertrand, 1954.

, Saudades de Mim. Lisboa: Livraria Bertrand, 1957.

, Entrevistas a Salazar. Prefácio de Fernando Rosas. Lisboa: Parceria A. M. Pereira, 2003, 2007.

Bibliografia passiva

ACCIAIUOLI., Margarida. António Ferro. A vertigem da Palavra. Retórica, politica e propaganda no Estado Novo. Lisboa: Editorial Bizâncio, 2013.

FERRO, Mafalda, (coordenação e organização), António Ferro: 120 anos. Actas. Lisboa: Fundação António Quadros | Texto Editores, 2016.

FERRO, Mafalda; Rita Ferro, Retrato de uma família: Fernanda de Castro, António Ferro, António Quadros. Fotobiografia. Lisboa: Círculo de Leitores e autoras, 1999.

GUEDES, Fernando, António Ferro e a sua Politica do Espírito. Lisboa: Academia Portuguesa de História, 1997.

HENRIQUES, Raquel Pereira, António Ferro. Estudo e antologia. Lisboa: Publicações Alfa, 1990.

LEAL, Ernesto Castro, António Ferro. Espaço Político e Imaginário Social (1918-32). Lisboa: Edições Cosmos, 1994.

Ó, Jorge Ramos do, Os Anos de Ferro. O dispositivo cultural durante a “Politica do Espírito” 1933-1949. Lisboa: Editorial Estampa, 1999.

PAULO, Heloísa, Estado Novo e Propaganda em Portugal e no Brasil – O SPN/SNI e o DIP. Coimbra: Edições Minerva, 1995.

QUADROS, António, Obras de António Ferro – Intervenção Modernista – Teoria do Gosto. Lisboa: Editorial Verbo, 1986.

 

[1] António Quadros, António Ferro, prefácio e antologia, Edições Panorama, 1963, p. 123

[2] António Ferro, Prémios Literários, 1934, p. 22

[3] António Ferro, Artes Decorativas. Lisboa, Edições SNI, 1949, p. 17.

[4] Idem, p. 5