DELFIM PINTO DOS SANTOS

(06/11/1907 – 25/09/1966)

Autoria: Maria de Lourdes Sirgado Ganho

Horizonte geracional

GERAÇÃO DE 30

País

PORTUGAL

Data e local de nascimento

6 de Novembro de 1907, Porto.

Formação e acção

Delfim Pinto dos Santos estudou na cidade do Porto, onde fez a escola primária e frequentou à noite um curso industrial, ao mesmo tempo que aprendia o ofício de seu pai, que era um pequeno industrial do ramo de ourivesaria. Em 1922, devido à morte precoce do pai, assume a oficina paterna a fim de sustentar a família, constituída pela mãe e irmã. Tinha nessa altura 15 anos. Em 1926 já concluíra o quinto ano do Liceu, devido ao seu esforço. Em 1927 termina o curso complementar de Ciências e também o de Letras. Deste modo, entra simultaneamente na Faculdade de Ciências do Porto, que se verá forçado a abandonar pouco depois, e na Faculdade de Letras do Porto, no Curso de Ciências Histórico-Filosóficas, na qual se licenciará em 1931, último ano de funcionamento daquela instituição fundada por Leonardo Coimbra em 1919, tendo concluído o curso com a média final de dezoito valores. Eram professores da Faculdade portuense, por essa altura, Leonardo Coimbra, Newton de Macedo, Hernâni Cidade, Damião Peres, Luís Cardim, Aarão de Lacerda e Teixeira Rego, entre outros notáveis pedagogos. Faz o estágio para professor de Liceu nos anos académicos de 1932-1933 (Coimbra) e 1934-1935 (Lisboa). Entre 1935 e 1937 recebe uma bolsa de investigação da Junta de Educação Nacional (JEN) para se estabelecer em Viena de Áustria com o objetivo de estudar o Positivismo Lógico, por opção de Joaquim de Carvalho. Estuda com M. Schlick e K. Buehler. Aproveita esta sua estada para assistir a cursos e conferências de outros professores e é convidado a assistir às selectas reuniões do Círculo de Viena, nas quais também comparecera L. Wittgenstein. Estabelece amizade com Sigmund Freud. Em 1936 assiste, em Berlim, às lições de N. Hartmann sobre metafísica do conhecimento. Em 1937, em Londres, prossegue o seu trabalho sobre o neopositivismo e acompanha os cursos de J. Macmurray, investigando na Aristotelian Society. Em Cambridge, para onde emigraram os positivistas lógicos de Viena após a extinção do Círculo em 1936, assiste aos cursos de Moore e Broad. Em 1937 termina a sua bolsa e é enviado pela JEN para a Alemanha, como Leitor de Português na Universidade de Berlim. Aqui desenvolve uma intensa atividade em prol da cultura portuguesa. Nesta sua estada continua a frequentar os seminários de N. Hartmann e em Friburgo toma contacto direto com a filosofia de M. Heidegger. Enfrenta então uma recusa «burocrática» em Coimbra da sua tese sobre o neopositivismo, a Situação Valorativa do Positivismo (1938), por ter constituído simultaneamente o seu relatório de bolseiro, e que era o primeiro estudo interpretativo de fôlego publicado sobre aquela escola de pensamento, fora do espaço alemão. Redige então uma segunda tese, sobre Conhecimento e Realidade, e doutora-se em 1940 na Universidade de Coimbra sendo arguentes Joaquim de Carvalho e Vieira de Almeida. Tendo declinado um convite para Professor Convidado em Berlim, regressa definitivamente a Portugal em 1942, onde vai iniciar a sua carreira universitária portuguesa. Entre 1943 e 1947 é primeiro assistente na Faculdade de Letras. Em 1947 concorre a professor extraordinário da Secção de Ciências Pedagógicas da Faculdade de Letras de Lisboa, onde apresenta a tese intitulada Fundamentação Existencial da Pedagogia. Em 1948 é nomeado professor agregado e em 1950 torna-se o primeiro professor catedrático português da Secção de Ciências Pedagógicas. Ao longo de uma carreira docente de 23 anos irá ensinar diversas cadeiras, entre elas a ‘História da educação, organização e administração escolar’, ‘Moral’, ‘História da Filosofia Antiga’, ‘Pedagogia e Didática’, ‘História da Cultura Moderna’, etc. De 1955 a 1962 foi professor de Psicologia e de Sociologia no Instituto de Altos Estudos Militares. Em 1960 foi eleito sócio correspondente da Academia das Ciências de Lisboa e em 1963 sócio efetivo de Belas-Letras e Filosofia. A partir de 1963 foi ainda o fundador e primeiro diretor do Centro de Investigação Pedagógica da Fundação Calouste Gulbenkian, um projeto de atualização científica e bibliográfica da formação de professores que muito acarinhou, e também um dos fundadores do Instituto de Meios Audiovisuais de Ensino (IMAVE) do Ministério da Educação, futura TELESCOLA, do qual foi Presidente do Conselho Pedagógico desde 1964, tendo sido este projeto a primeira tentativa de grande fôlego de extensão da escolaridade das populações rurais. Escreveu abundantemente em jornais e revistas, e participou em inúmeros congressos nacionais e internacionais. Faleceu prematura e repentinamente em Cascais durante as férias de Verão de 1966, deixando viúva a Senhora Dra. Maria Manuela de Sousa Marques (Pinto dos Santos), com quem casara em 1957 (entretanto falecida em 2015), e dois filhos menores, para além de outros dois do seu primeiro matrimónio. A Dra. Manuela de Sousa Marques, que fora sua aluna e depois convidada para assistente na Secção de Filologia Germânica da Faculdade de Letras de Lisboa, foi uma notável germanista, especializada na crítica literária e no Romantismo Alemão (Goethe, Novalis, Kleist), sobre o qual publicou importantes e inovadores ensaios, para além de ter colaborado como tradutora em obras que o seu marido prefaciou. Logo a partir de 1968 a viúva promoveu a publicação das suas Obras Completas na Fundação Gulbenkian, da qual sairia o primeiro volume em 1971, e depositou o seu espólio na Biblioteca Nacional de Portugal em 2011, visando a prossecução da tarefa de estudar e valorizar o pensamento e acção de Delfim Santos em prol da cultura portuguesa, de que o filósofo portuense foi um defensor entusiasta e ao mesmo tempo um seu ilustre representante. Por tudo o que acima foi referido, não era possível desligar a biografia de Delfim Santos da vida da Drª Manuela, pois muito o apoiou.  Por ocasião do Cinquentenário do seu falecimento, os seus restos mortais foram transladados em 2017 do Porto para o «Panteão dos Escritores» no Cemitério dos Prazeres, em Lisboa.

Actividade desenvolvida

Delfim Pinto dos Santos pertence à geração de 30, que assinala o labor e o magistério dos discípulos de Leonardo Coimbra. Contudo, não está tão próximo do Mestre como outros pensadores seus discípulos, porquanto a sua posterior formação germânica acaba por distanciá-lo de pensadores como Álvaro Ribeiro, ou José Marinho, ou mesmo de Agostinho da Silva, embora com eles mantenha sempre um contacto cordial, de tal modo que em 1943, aquando da polémica em torno da obra de Álvaro Ribeiro, O problema da Filosofia Portuguesa, sente a necessidade de se colocar a seu lado. Aliás, relativamente a esta questão, tem uma referência assaz interessante, mas que revela o seu modo de pensar: “o autêntico filósofo não é aquele que se compraz em fazer discípulos, mas em fazer de cada um discípulo de si próprio”. Compreende-se bem esta sua afirmação à luz da sua antropologia filosófica, bem como da sua pedagogia existencial em que a questão da autonomia do ser e pensar é matricial para que cada um se desenvolva de um modo equilibrado e original. A sua ação fez-se sentir em diferentes áreas, conforme o seu perfil biográfico evidencia: filosofia, cultura, com especial destaque para a cultura portuguesa, pedagogia, psicologia, cinema, literatura. Procura ser interventor na sociedade, porque considera que o filósofo tem uma palavra fundamental a dizer acerca da sua circunstância, quer a nível pessoal, quer institucional. Uma tal conceção de filosofia significa, tal como para a sua Geração, que o positivismo é uma atitude a criticar e a superar, como tão bem mostra a sua obra Situação valorativa do positivismo. O positivismo não é filosófico, tem o seu espaço próprio, mas não tem o poder de interrogar acerca do que mais importa, a saber, que sou eu? Quem é o homem?

Data e local de falecimento

25 de Setembro de 1966 (58 anos), Cascais.

Lema e linha filosófica

Filosofia Existencial, estendendo-se a todas as áreas da sua atuação, incluindo a formulação de uma pedagogia existencial, em que a liberdade é a categoria que explica o homem como ser espiritual.

Linha filosófica e caracterização geral da obra

A filosofia de Delfim Santos, se quisermos encontrar a “etiqueta” que melhor se lhe adequa, deve ser entendida como uma reflexão existencial. A preocupação pelo desvelar da existência e do existente é central. Precisamente por esta razão, a antropologia filosófica é assumida como uma questão fulcral na economia da sua obra. São vários os textos que escreveu sobre a problemática existencial, mas é a sua obra Da Filosofia (1939) que mostra este seu pendor reflexivo. Na leitura que faz, na esteira de N. Hartmann, das «regiões da realidade», a sua reflexão dá conta de uma preocupação em mostrar que a categoria superior da realidade é a liberdade, aquela que explica o homem como ser espiritual. Neste seu opúsculo (Das regiões da realidade, de 1939) cruzam-se dois esteios do seu pensamento, a saber: a analítica existencial e a categorização da realidade. De facto, o seu doutoramento, com a tese Conhecimento e Realidade de 1940, exibe uma preocupação pelo conhecimento, mediado por um pensamento categorial, que tendo a sua origem no seu claro pendor aristotélico, se vai abrir ao horizonte metafísico na esteira de N. Hartmann. Com efeito, a problemática filosófica que a filosofia da existência coloca é, para o pensador, fundamental para uma compreensão do homem em situação, do homem como ser dotado de espessura ontológica. Como nos diz: “O existencialismo não escolhe como nível de partida o problema do conhecimento, mas outros mais fundos que orientam o conhecimento humano e que até Heidegger tinham ficado na penumbra da explicação. Ser não é conhecimento do ser, mas algo mais vasto, como já vimos, e de que o conhecimento é um dos modos”. Contudo, Delfim Santos confere muita atenção ao problema do conhecimento, dado que isso significa que é essencial estar atento à dimensão histórica do pensar, que desde Platão a Aristóteles, passando por Descartes, Kant e muitos outros, se constituiu como um problema central da filosofia. Delfim Santos entreviu a importância desta questão, bem como da tradição histórica que a sustenta. Nesse sentido, procurou dar a sua achega para a tematização e dilucidação destas temáticas. No entanto nunca esquece que é necessário ter bem presente que há uma diferença entre conhecimento científico e conhecimento filosófico, sendo ambos irredutíveis um ao outro. Uma outra faceta sua, herdada do magistério de Leonardo Coimbra, é o reconhecimento da realidade filosófica em Portugal. De facto, em O pensamento filosófico em Portugal (1946), aponta dezanove pensadores de um modo muito sintético, que considera serem “homens notáveis” e que deram o seu contributo filosófico desde a Idade Média até ao seu tempo. De Pedro Hispano a Leonardo Coimbra, esses pensadores são, de algum modo, valorizados, com o intuito de revelar o mais essencial de cada um deles. Leonardo Coimbra, aqui, é para o seu pensar o mais ilustre filósofo do século XX.

Em profunda ligação com a sua obra Da filosofia temos a sua reflexão sobre a pedagogia, com a obra Fundamentação existencial da pedagogia de 1946, em que uma reflexão sobre o homem, enquanto criança, adolescente e adulto, tem de ter em consideração dados psicológicos, e em que a caracterologia é fundamental. Também a relação professor/aluno é explorada não numa atitude de autoridade, mas de relação entre dois seres em que um é guiado com bondade e reflexão para que possa desabrochar em harmonia e equilíbrio, não só como aluno, mas, na sua essência, como pessoa a ser. Perpassa no seu modo de existir e ser uma filosofia da liberdade, que espiritualiza, que eleva o homem e lhe confere um sentido transcendente. Em modo de conclusão, podemos afirmar que a sua obra é ainda hoje interpeladora, pelo modo como reflete acerca do homem e da sua situação, reflexão pautada por um inequívoco humanismo, em que a dimensão de interioridade é, bastas vezes, exibida, a fim de salientar que o homem é na sua essência um ser espiritual, capaz de criar na filosofia, na ciência, na arte, na ética. Precisamente por isso, a cultura é uma dimensão que não pode ser descurada, porque é promotora do desenvolvimento de certas faculdades do espírito. A cultura refere-se a tudo aquilo que é produção humana, desde as origens até aos nossos dias, e que nunca é demais pôr em evidência. A cultura implica o reconhecimento da tradição, bem como a necessidade de com ela dialogar de um modo dinâmico e aberto. O seu pensamento permanece interrogativo e capaz de despertar para a filosofia, desde que haja essa sensibilidade para compreender tradição e inovação, situação concreta e dimensão universal. A sua obra permite, numa leitura atenta e clarificadora, um enriquecimento interior, um momento de recolhimento interior que não só desperta o outro, mas que o obriga a pensar. Esta a tarefa do filósofo, e Delfim Santos foi deveras um filósofo, bem inserido na filosofia do seu tempo.

Bibliografia activa

Dialética Totalista (1933)

Situação valorativa do positivismo (1938).

Das regiões da realidade, 1939.

Da filosofia (1940).

Conhecimento e realidade (1940).

Fundamentação existencial da pedagogia (1946).

O pensamento filosófico em Portugal (1946).

“Curriculum Vitae” de Delfim Pinto dos Santos, 1949.

Temática da formação humana (1961).

Significação filosófica da nova teoria da ciência (1961).

Obras completas, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, vol- I, 1971, vol. II, 1973, vol. III, 1977, vol. IV, 1998.

Obras completas de Delfim Santos, coordenação de Cristiana Soveral e Paszkiewicz, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2007.

Bibliografia passiva

AAVV, Octogésimo aniversário do Prof. Delfim Santos. Lisboa, Centro Cultural Delfim Santos, 1990.

AAVV, Delfim Santos e a Escola do Porto. Lisboa, INCM, 2009.

BELO, José M. C.,  Para uma teoria política da Educação. Actualidade do pensamento filosófico, pedagógico e didáctico de Delfim Santos. Lisboa: Fundação Gulbenkian, 1999.

BOTELHO, Afonso, Apologia do Mestre, in “Teoremas da Filosofia”, nº1, Lisboa, 1969.

GANHO, Maria de Lourdes Sirgado, Da filosofia de Delfim Santos, Lisboa, Centro Cultural Delfim Santos, JNICT, 1993.

Idem,  O essencial sobre Delfim Santos. Lisboa, INCM, 2002.

Idem, Manuel Ferreira Patrício e Delfim Santos, in “Simpósio de Homenagem a Manuel Ferreira Patrício”, Linda-a-Velha, MIL e DG Edições, 2017.

MARINHO, José, Delfim Santos e a Filosofia Situada, in  “Estudos sobre o pensamento português contemporâneo, Lisboa, Biblioteca Nacional, 1981.

Idem, A Ontofenomenologia em Delfim Santos, in “ Estudos sobre o pensamento português contemporâneo. Lisboa, Biblioteca Nacional,  1981.

MARQUES, Maria de Lurdes Santos Fonseca,  O pensamento filosófico de Delfim Santos. Lisboa: INCM, 2007.

MIRANDA, Manuel Guedes da Silva,  Delfim Santos: a metafísica como filosofia fundamental. Lisboa: Fundação Gulbenkian, 2003.

QUADROS, António, Introdução ao Pensamento Filosófico e Pedagógico de Delfim Santos, in “Leonardo” II (5-6), 1989.

RIBEIRO, Álvaro, Cartas para Delfim Santos, pref. António Braz Teixeira, introd. Joaquim Domingues, Lisboa, Fundação Lusíada, 2001.

RODRIGUES, Jorge Tavares,  Delfim Santos. O percurso do Homem, do Mestre, do Amigo, Octogésimo Aniversário do Nascimento do Prof. Delfim Santos, Lisboa, Centro Cultural Delfim Santos, 1990.

SOVERAL E PASZKIEWICZ, Cristiana Abranches de,  A filosofia pedagógica de Delfim Santos, Lisboa: INCM, 2000.

TEIXEIRA, António Braz, Aproximação ao pensamento filosófico de Delfim Santos, in “Espiral”, 13, 1989.