(13/06/1888 – 30/11/1935)
Autoria: Cecília Barreira; Teresa Lousa
Horizonte geracional
GERAÇÃO DE ORPHEU, 1915
País
Portugal
Data e local de nascimento
Lisboa, 13 de Junho de 1888
Formação e acção
Órfão deste muito cedo (1893), a mãe casa-se em segundas núpcias com um comandante, cônsul em Durban na África do Sul. Em 1896 parte para esta cidade, tendo iniciado a instrução primária no Convento Católico de West Street, inscreve se posteriormente na High School de Durban. Regressa a Portugal por curtíssimo período. Em 1902 inscreve se na Commercial Shool.
Em 1903 lê Milton, Byron, Shakespeare, Tolstoi, entre outros e escreve poemas em inglês.
Regressa a Portugal definitivamente em 1905 onde viverá com uma avó e tias.
Em Lisboa ainda se inscreve no Curso Superior de Letras, mas abandona rapidamente os estudos.
Entre 1906 e 1912 trabalha como correspondente estrangeiro em casas comerciais e escreve muitos textos e poemas.
Actividade desenvolvida
Em 1912 estreia se como crítico literário na revista A Águia. Em 1913 entra em contacto com o Modernismo. 1914 acaba por ser o ano de rutura com A águia e dá-se a explosão dos heterónimos principais, desde o Guardador de Rebanhos à Ode Triunfal e a Opiário. Em 1915 saem os dois números de Orpheu onde publica a Ode Triunfal e a Ode Marítima.
Entre 1916 e 1923 lê estudos sobre astrologia, gnosticismo, ocultismo.
Após 1923 escreve textos sobre sebastianismo e textos políticos.
Em 1932 tenta um lugar como conservador bibliotecário do Museu Biblioteca Conde de Castro Guimarães em Cascais, mas não é escolhido. Em 1934 concorre com Mensagem ao Prémio Antero de Quental, ficando em segundo lugar.
A aproximação à revista Presença foi fundamental para Pessoa ter visões de conjunto da sua obra publicada ou a publicar.
Em 1935, último ano de vida, escreve a carta sobre a heteronímia a Adolfo Casais Monteiro.
No dia 30 de Novembro morre no Hospital de S. Luís em Lisboa.
Data e local de falecimento
30 de Novembro de 1935, Lisboa
Lema e linha filosófica
Pessoa: a figura mais internacional da poesia portuguesa. O seu legado passará necessariamente pela diversidade da sua criação associada à heteronomia. Figura ímpar do modernismo português: um mundo a revisitar.
Linha filosófica e caracterização geral da obra
A fase mais vivificante da heteronímia compreende os anos e 1913 a 1915, como nos informa Cabral Martins.[1] Em 1928, com a Tábua Cronológica, redefine ortónimo de heterónimos e o “drama em gente”. Em 1930, Bernardo Soares é o semi-heterónimo do Livro do Desassossego e os outros heterónimos vão perdendo voz. Fernando Pessoa ortónimo não é Pessoa.
Seguindo o criterioso estudo de Dionísio Vila Maior sobre Fernando Pessoa[2] a heteronímia pessoana é uma dominância na sua vida literária: por exemplo, entre 1905 e 1908 assina com o nome de Alexander Search; entre 1907 e 1908, com o nome de Jean Seul de Méluret. Seguem se muitos outros heterónimos e em 1913 manifesta-se Bernardo Soares, no seu Livro, e também Caeiro, Campos e Reis.
Tal como nos situa o ensaísta Vila Maior, a “pluralidade” marcou o sujeito nos inícios do século XX, a fragmentação do eu, a ruptura com conceitos anteriores da época vitoriana, o progresso técnico infindável, libertou esse eu para um infinito de vozes e discursos. Daí a heteronímia pessoana: Pessoa deu vazão à multiplicidade de eus. A subversão de normas é subsequente. Veja se no domínio da Pintura, o Cinema, a Fotografia, a Literatura. O Modernismo rompe com todas as convenções e idealiza um Futuro melhor. Pessoa não é apologista de Camões, mas de um Supra Camões.
Pessoa vai beber ao clima finissecular de crise identitária, embora a Renascença Portuguesa já traga um novo fôlego à portugalidade. Pessoa caracteriza-se a si próprio como “poeta dramático”, como poeta que sente emoções diferenciadas e díspares. Como nos recorda Dionísio Vila Maior o poeta assume o “fingimento” literário.
Alberto Caeiro, Álvaro de Campos e Ricardo Reis são os heterónimos com sujeitos muito diferenciados. Na literatura mundial outros escritores usaram personalidades literárias: Kierkegard, Antonio Machado, ou mesmo Eça de Queiroz.
Pedro Sepúlveda em Os Livros de Fernando Pessoa refere se a uma nota autobiográfica onde o poeta, poucos meses antes de morrer, diz que as suas publicações são os 35 Sonnets (1918); English Poems (1918-22), Mensagem (1934).[3]
Na Tábua Bibliográfica publicada na Presença em 1928 refere Antinous e 35 Sonnets; English Poems (1918-22); Em 1923, Sobre um manifesto de estudantes em apoio a Raul Leal e Interregno- Defesa e Justificação da Ditadura Militar em Portugal. Confere que nenhum heterónimo foi publicado.[4] Nessa Tábua menciona pela primeira vez os conceitos de heterónimo e ortónimo.
Com a Mensagem permitiu se conjugar o nacionalismo e a noção de uma portugalidade e a reformulação do sebastianismo.
Pedro Sepúlveda mostra nos que no caso do Livro do Desassossego conhecem se três nomes de autoria: Fernando Pessoa, Vicente Guedes e Bernardo Soares. Este último surgiria a partir de 1929 e até ao final da vida do autor. Os livros do autor seriam sempre na expressão do ensaísta Sepúlveda, um interminável “work in progress” que nunca se concretizaria: “A ideia de juntar géneros e conteúdos díspares colocava neste caso dificuldades a uma projetada “organização do livro”. (Pedro Sepúlveda, p. 59).
Também se destaca a postura de Caeiro como o Mestre de todo um percurso literário: Caeiro trabalha os limites da linguagem. “O meu mestre Caeiro não era um pagão: era o paganismo. O Ricardo Reis é um pagão, o António Mora é um pagão, eu sou um pagão: o próprio Fernando Pessoa seria um pagão, se não fosse um novelo embrulhado para o lado de dentro (…) O Fernando Pessoa sente as coisas mas não se mexe, nem mesmo por dentro “ (in Álvaro de Campos “Notas para a Recordação do meu Mestre Caeiro” Presença, Janeiro de 1931).
A célebre carta que Fernando Pessoa escreveu a Casais Monteiro a 13 de Janeiro de 1935 é a carta em que o autor explica a sua heteronímia.
Segundo outras notas de 1935 o autor é um “cristão gnóstico” e um esotérico. Reis é o heterónimo do classicismo, neopagão. Álvaro de Campos é a “pujança”, os sentimentos ao rubro, o Modernismo no seu esplendor, a melancolia bélica, O autor de “Ultimatum” de 1917.
O esoterismo, que perpassa em toda a sua obra, inicia se em 1915 e 1916 com a tradição de livros esotéricos. De um “transcendentalismo” de A Águia (1912) para a Teosofia.
Na obra Fernando Pessoa e a Filosofia Hermética, citada por Cabral Martins em Introdução ao estudo de Fernando Pessoa (p.196-197), diz o autor:
Temos que viver intimamente aquilo que repudiamos (…) reconhecer a verdade como verdade, e ao mesmo tempo como erro; viver os contrários, não os aceitando; sentir tudo de todas as maneiras, e não ser nada, no fim, senão o entendimento de tudo-quando o homem se ergue a esse píncaro, está livre, como em todos os píncaros, está só, como em todos os píncaros, está unido ao céu, a que nunca está unido, como em todos os píncaros.
Como nos referencia o ensaísta Cabral Martins há um distanciamento de Pessoa em relação a qualquer verdade.
Em carta a João Gaspar Simões através da leitura de Cabral Martins em Introdução ao estudo de Fernando Pessoa, o autor diz:
Creio na existência de mundos superiores ao nosso e de habitantes desses mundos, em existências de diversos graus de espiritualidade, subtilizando se até se chegar a um Ente Supremo, que presumivelmente criou este mundo. Pode ser que haja outros Entes, igualmente Supremos, que hajam criado outros universos. E que esses universos coexistam com o nosso, interpenetradamente ou não. (opus. Cit. p. 291).
Referencia também a importância da alquimia e do ocultismo. “A relação entre misticismo e poesia passa, no início do século XX, muito pela valorização da diferença entre saberes comum (exotérico) e reservado (esotérico) ” (Fernando Cabral Martins, opus cit. p. 203).
Quanto à poesia fingimento, Cabral Martins afirma que os heterónimos, cada um à sua maneira, são autênticos, contrariamente ao ortónimo.
Este ensaísta situa Portugal como um heterónimo coletivo, na construção da Mensagem. O nacionalismo pessoano não tem territorialidade, mas é simbólico de uma espiritualidade que se pode expandir para o mundo.
Cabral Martins vê na obra de Pessoa: “ As personagens de autores que põe em cena vão variando em termos de definição concetual, mas mantém se sempre vivo o efeito essencial da heteronímia. E a sua complexidade é sempre tornada simples pela limpidez da escrita” (Cabral Martins, Opus cit, p. 281).
Bibliografia activa
Pessoa, Fernando- Páginas íntimas e de Auto-Interpretação, Lisboa, Ática. 1966
Pessoa, Fernando, 3 volumes, organização e estudo de António Quadros, Porto, Lello & Irmão, 1986
Pessoa, Fernando, Pessoa Inédito, coordenação de Teresa Rita Lopes, Livros Horizonte, 1993
Correspondência 1905-1922, ed. Manuela Parreira da Silva, Assirio & Alvim, 1998
Correspondência 1923-1935, ed. Manuela Parreira da Silva, Assírio & Alvim, 1999
Pessoa, Fernando, Edição critica de Fernando Pessoa, edição de Ivo de Castro. Lisboa, Imprensa Nacional- Casa da moeda, volume 1, 2001
Mensagem e Outros Poemas sobre Portugal, ed. Fernando Cabral Martins e Richard Zenith, Porto, Assírio & Alvim, 2004
Pessoa, Fernando Pessoa, 7 volumes, org. Richard Zenith, Lisboa, Assírio & Alvim. 2007
Livro do Desassossego, ed. Richard Zenith, Porto, Assírio & Alvim, 2009
Pessoa, Fernando, Sensacionismos e Outros Ismos, edição Jerónimo Pizarro, Imprensa Nacional Casa da Moeda; Livro do Desassossego (2010), volume XII, 2 tomos. 2009
Bibliografia passiva
Bréchon. Robert, “Le jeu des heteronymes: la conscience et le monde” in Arquivos do Centro Cultural Português, vol XXI, Fundação Gulbenkian, p.85-93., 1985
Centeno, Yvette e Reckert, Stefan, Fernando Pessoa- Tempo, Solidão, Hermetismo, Lisboa, Moraes. 1978
Coelho, Jacinto do Prado, Diversidade e Unidade em Fernando Pessoa, Lisboa, Editorial Verbo. 1987
Guimarães, Fernando, Simbolismo, Modernismo e Vanguardas, Lisboa, Imprensa Nacional. 1982
Guimarães, Fernando, O Modernismo e a sua Poética, Porto Lello Editores. 1999
Lisboa, Eugénio- Poesia Portuguesa: do Orpheu ao Neo Realismo, Lisboa, ICALP, 1980
Lopes, Teresa Rita, Pessoa por conhecer- Roteiro para uma expedição, Estampa, 1990
Lopes, Teresa Rita, Pessoa por conhecer- Textos para um novo mapa, Lisboa, Estampa, volume II, 1990
Lopes, Teresa Rita, Fernando Pessoa et led rame symboliste: héritage et création, Paris, Centre Culturel portugais. 1977
Lourenço, Eduardo, Fernando Pessoa revisitado- leitura estruturante do drama em gente, Lisboa, Moraes. 1981
Lourenço, Eduardo, Fernando, Rei da nossa Baviera, Lisboa, Imprensa Nacional Casa da Moeda, 1986
Martins, Fernando Cabral, Dicionário de Fernando Pessoa e do Modernismo Português (coordenação), Lisboa, Caminho. 2008
Martins, Fernando Cabral, Introdução ao Estudo de Fernando Pessoa, Assírio & Alvim, 2014
Moisés, Carlos Filipe, O Poema e as Máscaras, Coimbra, Almedina. 1981
Saraiva, Arnaldo. O Modernismo Brasileiro e o Modernismo Português, Porto, 3 volumes. 1986
Seabra, José Augusto, Fernando Pessoa ou o Poetodrama, Imprensa Nacional Casa da Moeda. 1989
Sepúlveda, Pedro- Os Livros de Fernando Pessoa, Ática. 2013
Simões, João Gaspar, Vida e Obra de Fernando Pessoa, Publicações Dom Quixote. 1987
Vila Maior, Dionísio, Fernando Pessoa: heteronímia e dialogismo- o contributo de Mikhail Bakhtine, Coimbra, Almedina. 1994
Vila Maior, Dionísio- O Sujeito Modernista – Fernando Pessoa, Mário de Sá Carneiro e António Ferro : Crise e Superação do Sujeito, Lisboa, Universidade Aberta. 2003
Vila Maior, Dionísio. “Fernando Pessoa” in A Dinâmica dos Olhares Cem Anos de Literatura e Cultura em Portugal , Lisboa, Clepul. 2017
[1] Fernando Cabral Martins, Introdução ao Estudo de Fernando Pessoa, Assírio & Alvim, 2014
[2] in A Dinâmica dos Olhares Cem Anos de Literatura e Cultura em Portugal, 2017
[3] Pedro Sepúlveda, Os Livros de Fernando Pessoa, Ática, 2013, p.26
[4] idem, p. 27