RAUL LEAL

(01/09/1886 -18/08/1964)

Autoria: Teresa Lousa

Horizonte geracional

GERAÇÃO DE 1915, “Orpheu”

País

Portugal

Data e local de nascimento

Lisboa, 1 de Setembro de 1886

Formação e acção

Raul Leal era filho único do casal Alfredo de Sousa Leal (antigo director do Banco de Portugal) e de sua segunda mulher, D. Adelaide Cristina Lambruschini, sobrinha do cardeal Lambruschini, que dirigira a Biblioteca Vaticana.

Teve na sua infância uma condição privilegiada e acesso a uma educação de luxo no palácio onde cresceu e aí realizou os seus estudos primários. Depois frequentou o liceu de São Domingos e do Carmo. Terminado o liceu foi estudar para Coimbra, onde fez o Bacherlato em Direito.

Envolveu-se activamente nas greves de 1907. Na sequência deste contexto, e numa situação de conflito com as autoridades, foi ferido na cabeça, episódio que segundo relata Pinharanda Gomes, levou a que manifestasse a extraordinária capacidade intelectual “com excessiva e anormal violência”[1]. Quando terminou os seus estudos (em 1909) voltou a Lisboa proferindo na Liga Naval a conferência A Situação do Estudante em Portugal (1910), geradora da sua primeira grande polémica. Segue a carreira do Ministério Público até 1913, assumindo também a presidência da Sociedade de Ciências de Lisboa.

A sua incapacidade de levar uma existência vulgar e de seguir as regras e os padrões sociais, levam-no a abandonar essas funções e a iniciar uma vida errática e aventureira: Como era herdeiro de uma grande fortuna, começa a vender o património. Fixa-se em Paris, onde leva uma vida de dandy. Aí conhece Marinetti, figura que exerce um certo fascínio sobre Leal, mas que este supera na sua originalidade: afirma que o futurismo de Marinetti é limitado e redutor e defende uma actualização do futurismo através de uma fusão com o restante vocabulário modernista. Essa fusão, entre as várias manifestações do modernismo e também da arte entendida como total, seria aliás a melhor fórmula para o Futurismo, de modo que este se pudesse afirmar como uma linguagem transcendente e mística, ultrapassando o plano meramente superficial e empírico.

Viveu depois em Toledo, (exilado pelo governo republicano devido ao seu assumido monarquismo) onde irá conhecer grandes dificuldades económicas, habituado que estava em Paris às maiores estravagâncias, via-se agora impossibilitado de aceder à sua fortuna pessoal. Depois de uma breve incursão numa companhia de bailado futurista, foi preso por ter dirigido um gesto obsceno à plateia que repudiou a sua actuação. Foi mais tarde repatriado e aí a novidade que trazia do futurismo será bem acolhida por Fernando Pessoa e Santa Rita Pintor.

Com o apoio de Fernando Pessoa, participa do movimento moderno-futurista de Orpheu e no Portugal Futurista (1917).

Colaborador do Orpheu, foi nas palavras de Jorge de Sena um dos seus mais “significativos representantes da integral aventura espiritual a que muitos participantes de tais movimentos se não atreveram nunca.

Acerca de Raul Leal afirmará também Mário Cesariny:Raul Leal era o único verdadeiro doido do «Orpheu» Ninguém lhe invejasse aquela luxúria de fera? Invejava-a eu.”[2]

Sobre a sua personalidade, o seu contemporâneo Mario Sáa afirmará que este constitui um dos primeiros futuristas portugueses, sem vestígio de farisaísmo: “ Ele não é futurista, pois que é o próprio futurismo! (…) A sua metafísica é a confusão labiríntica dos sentidos, transcendência das paixões, o delírio da carne e da alma (…).”[3]

Na época do Segundo Modernismo Raul Leal será ainda resgatado e participará na Revista Presença, juntamente com José Régio, já numa fase de decadência, vivendo em quartos alugados e grandes constrangimentos até ao final da sua vida.

Actividade desenvolvida

Raul Leal nunca ocupou cargos governamentais, mas foi também um político, defensor da monarquia e crítico da anarquia e do republicanismo, assumindo sempre um papel subversivo, isento e livre.

Para além da sua obra publicada, possuí inúmeros inéditos de grande valor. A sua actividade jornalística é digna de destaque: colaborou com diversos órgãos de imprensa, tanto na área da política (O Liberal, Correio da Noite, Restauração, Gazeta dos Caminhos de Ferro) como na do desporto (O Mundo Desportivo) e ainda no âmbito da arte e cultura (O Popular).

A obra de Raul Leal é extensa e pode ser encontrada em diversas revistas, como por exemplo a Centauro, Presença, Contemporânea ou Tempo Presente. Publicou igualmente algumas obras como A Liberdade Transcendente, em 1913, onde aparece uma primeira definição da Vertigem.

Leal produziu um número considerável de obras, textos, artigos, panfletos, em português e em francês e a sua actividade principal é exatamente essa, a de intelectual activo, de homem da cultura, atento ao presente e ousadamente genial na sua abordagem e redacção. A amplitude dos seus interesses é também impressionante, podendo compreender a poesia, a crítica literária, musical e artística, a filosofia, o panfletismo, o jornalismo, a teoria do desporto, etc.

Data e local de falecimento

16 de Agosto de 1964 (77 anos), Lisboa

Lema e linha filosófica

A sua obra remete para uma tensão apaixonada e comprometida entre o discurso ultrarromântico, esotérico e literário que encontra por vezes no manifesto a sua mais feliz expressão.

O conceito de “Vertigem” tornar-se-á um lema representativo do seu carácter, como bem demonstram A Liberdade Transcendente, de 1913 ou o seu contributo para o Portugal Futurista em 1917, bem como o tom messiânico e esotérico que ficará definitivamente associado a Sodoma Divinizada (1923).

Linha filosófica e caracterização geral da obra

Para uma análise do seu pensamento e uma caracterização geral da sua obra, destacamos os estudos isentos e rigorosos realizados por Pinharanda Gomes em diversas publicações entre 1961 e 2016, que nos permitiram fazer um levantamento da sua obra e do seu pensamento a par da sua biografia.

Raul Leal pode ser apelidado de “poeta visionário”. Detentor de uma personalidade diletante e de um espírito inquieto, pouco publicou em vida, em grande parte por ter nascido numa época, à qual pertencia por direito, mas que o Portugal do seu tempo não podia entender e muito menos aceitar. A sua obra, muita da qual não publicada, é detentora de um estilo inconfundível, único e arrebatador, aborda áreas distintas, entre o discurso poético, literário, filosófico, metafísico e especulativo.

De um tom messiânico, assina grande parte dos seus textos com o pseudónimo ”Henoch”, vendo-se a si próprio como pai de Matusalem, avô de Noé, identificação que nas suas últimas obras limitará enigmaticamente à inicial “H.” Como Henoch, profeta do Paráclito e da Idade do espírito Santo, redige em francês o Antéchrist et la Gloire du Saint Esprit (1920), poema esotérico, especulativo e visionário. Do ponto de vista religioso concebia a vinda do Espírito Santo como a esperança na possibilidade de um ser humano bom. Não reconhecia Cristo nem a Igreja, sendo essa a base do seu paracletianismo.

A sua linha filosófica ficará definitivamente associada ao culto erótico-estético em pura Vertigem, plasmada na obra ímpar Sodoma Divinizada (1923), publicada primeiramente pela Olisipo, a editora de Fernando Pessoa. Aqui seguindo a linha de Pausâneas do Banquete de Platão, faz a apologia da Pederastia, o que lhe valeu duras críticas por parte dos estudantes católicos e uma troca de galhardetes em folhetins e manifestos entre ele e os estudantes.

Crítico da Igreja Católica (e defensor de uma Theocracia Universal), será por esta também duramente criticado ou perseguido como afirma o próprio em Uma Lição de Moral aos Estudantes de Lisboa: «A Egreja Catholica pressente já as Minhas intenções e portanto uma surda perseguição tem feito sempre ás Minhas Obras Santas. Mas a excommunhão sacrilega que do Vaticano Me fôr lançada, sobre toda a Egreja Catholica ha de cahir impiedosamente. Se o papa Me excommunga, Eu excommungo o papa! O propheta HENOCH.»[4]

Filosoficamente Raul Leal concebe o Universo e tudo quanto nele existe, inclusive o ser humano, como um só. O Homem encontraria no Universo a vertigem de si próprio. É num movimento contínuo do Universo, numa filosofia do superacionismo que concebe o estado monárquico e a vinda do Espírito Santo como a esperança de ascensão do humano. A Pátria, como unidade do Universo, o Quinto Império e a vitória do Paracleto representam a esperança do ser humano se libertar do pecado e do erro. Apesar da sua admiração pela Historicidade e pelos Descobrimentos, a Pátria enquanto valor, não se fundamenta num passado glorioso, mas numa esperança de uma Pátria futura.

Bibliografia activa

A Liberdade Transcendente, Sep. da Intr. à obra de Antunes, João, Hipnologia Transcendental, Lisboa: editor A. M. Teixeira, 1913;

Antéchrist et la Gloire du Saint Esprit, Lisboa: Rio de Janeiro, Portugalia, 1920;

Sindicalismo Personalista : Plano de Salvação do Mundo, Lisboa: Verbo, 1960

Sodoma Divinizada, Lisboa: “Olisipo”, 1923; Lisboa: Contraponto, 1961; Lisboa: Babel, 2010

“Na glória de Deus’”, primeiro capítulo do livro em preparação ‘Fernando Pessoa, precursor do Quinto Império”, in Presença, n.º 48, Coimbra, Julho, pp. 4-5. 1936

“Mario Eloy, le grand évocateur d’incubes”, in Presença, n.º 16, Coimbra, Novembro, p. 6, 1928

Liberdade e Determinismo no novo espírito científico, Porto: Educação Nacional, 1944;

O Sentido Esotérico da História, (Organização, Prefácio e notas de Pinharanda Gomes), Lisboa: Livr. Portugal, 1970.

Bibliografia passiva

BARRETO, José, “Fernando Pessoa e Raul Leal contra a campanha moralizadora dos estudantes em 1923” in  Pessoa Plural 2 (0 Fall, 2002), (pp. 240- 270)

FERNANDES, Aníbal, Introdução e Cronologia in R. L., Sodoma Divinizada, nova ed., Lisboa: 1989

FERNANDES, Aníbal: LEAL, Raul, Fernando Pessoa, Álvaro Maia, et al. Sodoma divinizada, Organização, introdução e cronologia de Aníbal Fernandes. Lisboa: Hiena Editora, 1989.

GOMES, P., Raul Leal: «A Vertigem da Utopia Absoluta», in História do Pensamento Filosófico Português, vol. V, Tomo 1, Lisboa: Círculo de Leitores, 2000.

LAPA, Raul, “Inéditos de Raul Leal”, Pessoa Plural: 3 (P./Spr. 2013), pp. 56- 90

— “Leal, Raul de Oliveira de Sousa” in Dicionário Crítico de Filosofia Portuguesa, Lisboa: Círculo de Leitores, 2016

—, Filologia e Filosofia, Braga: Livr. Pax, 1966, pp. 23-48

—, Raul Leal – Iniciação ao seu Conhecimento, Guimarães: sep. rev. Gil Vicente, 1962;

—, Um d’Orpheu – Raul Leal: Ensaio Bio-Bibliográfico, Lisboa: 1965.

MARTINS, Pedro. Futurisme, Peinture et Occultisme chez Raul Leal. In: Le Futurisme et les Avant-gardes au Portugal et au Brésil. Argenteuil: Éditions Convivium Lusophone, , 2011, p. 53-65.

SÁA, Mário, A Invasão dos Judeus, Lisboa: Libânio da Silva, 1925

SILVA, Manuela Parreira da, “Raul Leal, o filósofo “futurista” de Orpheu”, Revista Estranhar Pessoa / N.º 2, Out. 2015, pp. 110-119

 

[1] Pinharanda Gomes, Filologia e Filosofia, p. 27

[2] http://arlindo-correia.com/060805.html

[3] Mario Sáa, A Invasão dos Judeus, p. 284

[4] José Barreto “Fernando Pessoa e Raul Leal contra a campanha moralizadora dos estudantes em 1923” in  Pessoa Plural 2 (0 Fall, 2002), (pp. 240- 270) p. 261