SÍLVIO LIMA

(05/02/1904 – 06/01/1993)

Autoria: Teresa Lousa

Horizonte geracional

GERAÇÃO DE 1927 – (Presença)

País

Portugal

Data e local de nascimento

Coimbra, 5 de Fevereiro de 1903

Formação e acção

Sílvio Lima nasceu em Coimbra, onde realizou os seus estudos primários e secundários. Frequentou o curso de Medicina em Coimbra, mas cedo reconheceu que não era essa a sua vocação e pediu transferência para a Faculdade de Letras de Cimbra, na década de 20, onde estudou Ciências Histórico-Filosóficas, com uma dissertação de licenciatura “Ensaio sobre a ética de Guyau nas suas relações com a crise moral contemporânea”, onde trata a problemática filosófica e ética da contemporaneidade assim como uma valoração do naturalismo, tese que publicou em Coimbra em 1927. Em sua formação posterior à licenciatura procurou fora de Portugal, na Suíça, Bélgica e França, aprofundar os seus estudos no que concerne ao seu interesse pela Psicologia.

Foi posteriormente convidado a integrar o corpo docente da Universidade de Coimbra, onde regeu as cadeiras de Psicologia geral e de Lógica, tendo como principal mentor Joaquim de Carvalho.

Actividade desenvolvida

Como liberal convicto, com uma perspectiva intelectual e sergiana, “organizada e reformadora” entra em ruptura com o regime ditatorial. Reage criticamente à obra “A Igreja e o Pensamento Contemporâneo” do Cardeal Manuel Cerejeira, seu anterior protector,  publicando em 1930, o ensaio filosófico  Notas críticas ao livro do Sr. Cardeal Cerejeira «A Igreja e o pensamento contemporâneo». Este livro, publicado sete anos depois do de Cerejeira, em plena ditadura militar, deu início a um profundo mal-estar e consequentemente ao processo do seu afastamento do ensino. Nesta altura já uma série de intelectuais portugueses como Raul Proença, António Sérgio e Afonso Costa se encontravam exilados. Cerejeira e a sua obra personificavam o recuo do racionalismo e o avanço do tradicionalismo de pendor religioso em simultâneo com a afirmação do domínio do Estado Novo.

Em 1935 publica “Amor místico – Noção e valor da experiência Religiosa”, como dissertação para o concurso ao lugar de professor extraordinário efectivo da Universidade de Coimbra. Mas nesse mesmo ano acaba por ser demitido do seu lugar de professor e considerado inapto para a docência pública. Sílvio Lima foi afastado pelo regime de Salazar, logo em 1935, tal como Aurélio Quintanilha e Abel Salazar por exemplo. É a partir deste ano que Sílvio Lima se dedicará mais plenamente à escrita, uma vez que estava impedido de leccionar a qualquer nível de ensino.

É através da escrita de vários ensaios que mais se realizará. Mesmo que se tenha afastado um pouco da Psicologia, escreve e teoriza com rigor sobre diversos temas: o próprio ensaio, a ética, a filosofia do desporto, a civilização e a cultura, a educação cívica, etc.

Dedicou-se também à tradução. Traduziu obras de Mariás, de Farau e de Halphen. Colaborou com Joaquim de Carvalho na Revista Filosófica, e a este se seguiu na direcção da Biblioteca Filosófica da Livraria Atlântida de Coimbra.

Em 1942 foi reintegrado na Universidade de Coimbra por intercessão do Ministro da Educação, Mário de Figueiredo. Apesar do regresso a sua profunda desilusão com a Universidade e com o Governo que a controlava, levou-o a pedir demissão, e saiu de novo em 1965, numa espécie de reforma antecipada.

Em 1943 publica O determinismo, o acaso e a previsão na História e no ano seguinte a obra Ensaio sobre a Essência do Ensaio. Também nesse ano será orador oficial das insígnias doutorais de Delfim Santos.

Em 1957, integrando-se nas celebrações do centenário da morte de Augusto Comte, publica a obra “Comte, o positivismo e a Psicologia”.

Em 1975 é reintegrado como professor catedrático na Universidade de Coimbra, num gesto mais simbólico do que outra coisa qualquer, mesmo estando já aposentado. “Era afinal uma espécie de “homenagem póstuma” – um “paradoxo burocrático”, como lhe chamou, com o seu humor amargo, o próprio professor.”[1] Ainda assim, acaba por nunca receber a homenagem digna que merecia pelo ao intelectual que foi.
Morreu em 1993.

Data e local de falecimento

19 de Janeiro de ….. (72 anos), Madrid.

Lema e linha filosófica

Na esteira neokantiana do seu mestre Joaquim de Carvalho dedica-se a uma ética da alteridade e a uma reflexão acerca da liberdade. Afasta-se do academismo e do positivismo e o seu pensamento filosófico é exposto sobretudo através do Ensaio. Na área da psicologia experimental, critica a psicanálise freudiana e desenvolve uma concepção ontológica da temporalidade e da historicidade a partir de Dilthey e Scheler.

Linha filosófica e caracterização geral da obra

Não apresentando propriamente um pensamento filosófico com uma linha central ou estruturante, e dispersando-se por uma multiplicidade de temas que vão da psicologia, à filosofia moral, à filosofia do desporto, passando pela religião, e muitos outros temas dentro da filosofia, pode encontrar-se um denominador comum em Sílvio Lima, o de uma atitude crítica de desconstrução de anteriores posições dogmáticas e a proposta da sua respectiva renovação.

Na Filosofia, beneficiou da influência neokantiana de Joaquim de Carvalho, seu professor da Universidade de Coimbra, que manifestava já uma apetência menos academista e menos positivista da Filosofia. Dedicou-se à Filosofia do sujeito, à reflexão sobre a condição humana, à ética da liberdade. Defensor de uma ética neofranciscanista, de doação ao outro como caminho para si próprio.

Foi um ensaísta que escreveu sobre filosofia, antropologia e sociologia do desporto de modo pioneiro. Em três ensaios sobre o desporto, Lima expõe como este espelha a relação do homem consigo próprio e com o que o rodeia, retratando o homem de um modo essencial. Se entendermos o o ser humano como um ser que transcende na sua acção o que é meramente utilitário, então o desporto, o jogo, a ciência e a arte como expressões mais radicais da essência antropológica do homem.

Tendo teorizado sobre a própria essência do ensaio (1944) numa abordagem compreensiva, Sílvio Lima caracteriza o ensaio como um Auto exercício da razão; que tem como origem uma experiência vivencial, e constitui um exercício de autocrítica. Só com tais características, próprias do conhecimento racional, se poderá desenvolver um pensamento livre e original.

Foi autor da primeira crítica à psicanálise de Freud, antecipando críticas hoje em dia plenamente aceites a conceitos freudeanos há muito postos de parte pela psicologia. É sempre numa atitude compreensiva mas rigorosa que se posiciona na psicologia, fazendo convergir autores como Jung e Jaspers.

Em 1935 publicou Sílvio Lima a hermenêutica minuciosa e arrojada sobre a tensão entre o Amor e Misticismo, e sobre a essência amorosa do mito, dialogando com Max Scheler e Freud.

Em 1940, Sílvio Lima dedicou-se com atitude crítica a desenhar uma teoria da história, onde repudia “a lógica imanente da História, seja ela de inspiração idealista à Hegel e Proudhon, ou materialista à Karl Marx” (OC, II, 1263-65) e defende uma construção teórica que proporcione um sentido e que atribua uma compreensibilidade posterior aos factos, ao estilo de Herculano. Assim, o autor remete para o aspecto construtivo, articulador e problemático de qualquer teoria da História, opondo-se à apresentação de uma história pré-construída e plena de conclusões.

Pode dizer-se que Sílvio Lima, na sua liberdade essencial e espírito conciliador, se situa na ténue fronteira entre a Filosofia e a Psicologia.

Bibliografia activa

Sílvio Lima, Obra Completa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2 vols., Lisboa, 2002

Bibliografia passiva

ABREU, M. V. (1979). Relembrando “O problema da recognição” de Sílvio Lima mestre da atitude crítica e do método experimental. Biblos, 55, XLIII-XLVIII.

CARVALHO, Paulo Archer de, Sílvio Lima, um místico da razão crítica (da incondicionalidade do Amor intellectualis), Coimbra, FLUC, 2009.

GOMES, Pinharanda, “Lima, Sílvio Vieira Mendes de” in Dicionário Crítico de Filosofia Portuguesa, Coordenação de Maria de Lourdes Sirgado Ganho, Lisboa, Círculo de Leitores, 2016

LEONE, Carls, “O essencial sobre Sílvio Lima”, Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2004.

REAL, Miguel, Sílvio Lima, Filósofo sem Filosofia, Lisboa: Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, 2004

SILVA, José Ferreira da, Sílvio Lima – História de um Professor Universitário, in Biblos, vol. LV, pp. XXXV-LIII, 1979.

TORGAL, Luís Reis, “Um homem humilde, mas livre na sua investigação, Sílvio Lima e a sua correspondência no processo da PIDE/DGS” Separata de Estudos em homenagem a João Francisco Marques, Faculdade de Letras, Universidade do Porto, pp. 473- 498, s.d.

  1. AA. Dicionário Cronológico de Autores Portugueses, vol. IV, 1998, pp. 193-194

[1]  Luís Reis Torgal, “Um homem humilde, mas livre na sua investigação, Sílvio Lima e a sua correspondência no processo da PIDE/DGS” Separata de Estudos em homenagem a João Francisco Marques, Faculdade de Letras, Universidade do Porto, pp. 473- 498, s.d. p. 80