CARLOS VAZ FERREIRA

(1872 – 1958)

Autoria: Carlos A. Gomes

Horizonte geracional

GERAÇÃO DE 1900 – (KRAUSO-POSITIVISMO)

País

URUGUAI

Data e local de nascimento

Montevideo, 1872

Formação e acção

Pode dizer-se que o uruguaio Carlos  Vaz Ferreira tem curiosamente uma costela portuguesa, já que o seu pai Manuel Vaz Ferreira era oriundo da vila minhota de Valença do Minho, enquanto a sua mãe Belén Ribeiro Ferreira, embora de nacionalidade uruguaia também tinha ascendência ibérica, espanhola e portuguesa.

Vaz Ferreira ingressou na Universidade de Montevideo  em 1888 após ter concluido com brilhantismo os seus estudos do secundário, ganhando a cátedra de Filosofia por concurso público, naquela universidade. Em 1903  licencia-se em Direito, e manifesta enormes capacidades dialécticas e de comunicação, o que o consagrou como um dos maiores mestres da filosofia latino-americana do seu tempo.

Privilegiou o ensino em detrimento da edição e publicação de obras, o que significa que a maior parte das obras de Vaz Ferreira foram inspiradas nas suas próprias aulas. O seu estilo sóbrio,penetrante e convivencial foi traduzido por Unamuno do seguinte modo: “Sus libros, dijo, parecen, más que escritos, hablados; y, a través del libro, se oye la voz del profesor. He ahí el encanto de su estilo, de apariencia descuidada.”

Como um humanista ‘clássico’, para quem nada do que fosse humano lhe poderia ser indiferente, Vaz Ferreira consagrou-se totalmente à esfera docente e académica, considerando ser essa, a vida mais importante de se aceder ao seu pensamento filosófico, sendo por isso significativos os cargos e responsabilidades institucionais que assumiu, a saber:

  • Professor de Filosofía na Secção Preparatória da Universidade de Montevideo. (1897 – 1922).
  • Membro do Conselho Directivo de Instrucção Primária. (1900 – 1915).
  • Mestre de Conferências na Universidade de Montevideo. (1913 – 1957).
  • Professor de Filosofía do Direito na Faculdade respectiva da Universidade de Montevideo, (1924 – 1929).
  • Reitor da Universidade de Montevideo, durante três períodos (1929-1930, 1935-1938 e 1938-1943).
  • Director da Faculdade de Humanidades e Ciências da Universidade de Montevideo (1946 – 1949).
  • Decano da Faculdade de Humanidades e Ciências da Universidade de Montevideo por dois períodos consecutivos. (1952-1955 e 1955-1957).

Este perfil da sua personalidade ‘socrática’ de homem prático, mostra-se também pelo facto de durante mais de trinta anos ter lutado pela implantação no seu país da Faculdade de Humanidades e Ciências. Ele próprio definiu a orientação do novo centro de estudos do seguinte modo:  “Un claustro de ejercicios espirituales donde se estudie por el mismo, por el placer y la superioridad del estudio, de la cultura y del trabajo espiritual desinteresado”.

Actividade desenvolvida

Se bem que a filosofia hispânica não tenha tido grande alcance no contexto filosófico internacional do ocidente, como tiveram outras correntes do pensamento europeias, vale a pena destacar a figura de Carlos Vaz Ferreira, filósofo, pelo seu carácter inovador e pioneiro, no contexto daquilo que viriam a ser as tendências filosóficas contemporâneas, como a filosifa da lógica e a filosofia da linguagem.

Como filósofo, Vaz Ferreira logrou um estilo própio, original, de peculiar vigor expressivo. Outra peculiaridade da sua produção filosófica é a sua forte impregnação científica. A ciência pura sempre teve em Vaz Ferreira um dos seus mais qualificados intérpretes.

Também no plano do contributo da filosofía para os problemas e compreensão estéticos, realizou estudos importantes, quer pela profundidade da sua reflexão quer pela luminosidade da sua expressão, cujo  mérito se manifestou num léxico diáfano de singular expresividade.

O Vaz Ferreira filósofo através do professor Vaz Ferreira, foi um educador de excepção! Deve destacar-se, a este propósito, o lugar prominente que os problemas morais correspondem na vida e obra de Vaz Ferreira. Desprovido de convicções religiosas, colocou sempre no topo da hierarquia axiológica, os valores éticos  pois como ousou dizer. “la conducta sincera por parte de los hombres de pensamiento, es la condición más indispensable del mejoramiento intelectual y moral”. No seu caso, tal como o educador é inseparável do filósofo,  o homem é filósofo e educador, por excelência!

A sua obra é vasta e multiforme, a qual condiz com aquilo que foi a sua universal personalidade de pensador,  em domínios tão diversos mas ligados, como a psicologia, a sociologia, a arte e a música. Num ambiente tradicionalmente positivista, Carlos Vaz Ferreira teve o mérito de introduzir uma nova maneira de ensinar, diríamos krausista, aberta, independente e fortemente criticista, face a todos os dogmatismos de escola. Esta, pode dizer-se foi a sua marca e atitude filosóficas.

Data e local de falecimento

Montevideo, 1958

Lema e linha filosófica

A concepção psico-lógica de Carlos Vaz Ferreira constitui um caso eminentemente inovador e singularmente representativa, já que na sua Lógica Viva, abarca elementos lógicos, gnoseológicos, psicológicos e linguisticos, os quais permitem dizer que na sua optica de praxis discursiva, postula-se uma acção dinâmica. Esta posição ou perspectiva psico-linguistica está em sintonia com a ideia de que a vida do espírito é uma realidade contínua, fluída e cambiante,que não é compatível com a ideia de permanência e rigidez das visões da lógica clássica.

A sua teoria da argumentação pode, pois, ser resumida a três ideias-força, a saber.

1) uma critica á tradição aristotélico-escolástica que esqueceu o carácter flutuante e dinãmico dos termos na expressão viva de uma praxis discursiva necessariamente vitalista;

2) a instauração de um novo paradigma psico-lógico que fundamente a relação entre pensamento-linguagem-discurso numa optica contextual e inter-activa;

3) a necessidade de superação do positivismo lógico feito de esquematismos rígidos e coisificados da lógica tradicional.

Linha filosófica e caracterização geral da obra

Uma das ideias-chave mais importantes da concepção filosófica e psico-lógica do uruguaio Carlos Vaz Ferreira é a do perspectivismo, que seria sobretudo teorizado duas décadas mais tarde, por Ortega y Gasset. Em Vaz Ferreira a postura perspectivista tem um alcance eminentemente linguístico e pragmático. A sua concepção psico-lógica é um caso singularmente representativo de uma perspectiva original de praxis discursiva, que abarca o conjunto de relações entre linguagem, lógica e pensamento.

O perspectivismo de Vaz Ferreira origina-se na influência de Bergson e  Nietzsche, os quais estão enraizados na ideia de devir da verdade, a partir dos diferentes planos mentais que os sujeitos adoptam e que para lá da pluralidade das interpretações, argumentos  e atitudes, se caracterizam por uma postura essencialmente flexível, tolerante e não esquematizante, ou sistematizadora.

O interesse por temas sociais e institucionais que se reflecte na obra do autor uruguaio, demonstra a convicção que a reflexão filosófica teria um papel fundamental na discussão das questões sócio-culturais, e que, por conseguinte, não existiria uma clara separação entre pensar e actuar. Não existe um indivíduo isolado capaz de conceber uma ideia a priori e que tivesse uma repercussão a posteriori.

Na obra de Vaz Ferreira, as questões normativas baseiam-se na ideia de acção e processo social, histórico e institucional, entendendo que o pensamento não é apenas uma forma de representar a realidade exterior, mas é também o produto das acções humanas materializadas em discursos. Neste sentido Vaz Ferreira antecipa a distinção entre ‘questões explicativas’ de teor científico, e ‘questões normativas’, de cariz sócio-institucional.

A hermenêutica de Vaz Ferreira permite esboçar e antecipar algumas perspectivas da filosofia da linguagem contemporânea, em particular de Austin, Ricoeur e Derrida. A tarefa de desconstrução do discurso racionalizante e logocêntrico tem que assentar na ideia de ‘diferença’. Daí que se tenha que ter em conta a diferença de tipo e de grau em que se colocam os diferentes planos mentais dos sujeitos, manifestando a singularidade própria de estados de espírito particulares (psicológicos), os quais são naturalmente infinitamente mutáveis, dinâmicos e vivos.

Em consequência, a ‘diferença’ manifesta-se no concreto e no âmbito da acção. Realização gráfica e realização fonética mostram os cruzamentos entre o diferente e o semelhante, o actual e o diferido, o momento do ‘agora’ e a pluralidade dos ‘momentos’, que estão permanentemente presentes na língua e no pensamento, e que tornam impossíveis esquematizações particulares e teóricas, como por exemplo nos dualismos entre língua/palavra; diacronia/sincronia; língua/história da língua; consciente/inconsciente; alma/corpo, etc.

Vaz Ferreira tem a perspicácia incrível de levantar a questão da coerência entre o que escrevemos e o que pensamos, concluindo pela existência de um paradoxo insuperável entre a ‘palavra’ e o ‘sentimento’. A isto chamou o ‘paradoxo ideo-tipográfico’!

Esta categoria de análise é tema fundamental da sua análise filosófica da sua mais eminente obra, ‘Lógica Viva’ (1910), e representa a critica ao pensar por sistema, modalidade esta que sustenta a crença numa verdade unilateral, totalizadora, completamente a-histórica, e que intentava uma meta-narrativa fechada. O sujeito era visto como entidade única e substancial, donde tudo partia e onde tudo chegaria!

Numa conferência realizada em Montevideo no ano de 1920 e intitulada ‘Sobre la sinceridad literária’, realiza uma crítica ao procedimento corrente de escrita, considerado por si considerado extremamente incompleto e desajustado. Porque achava necessário superar-se o idealismo e o empirismo, ou seja aquilo a que ele chamava a ‘ilusão da experiência’, Vaz Ferreira intentou ultrapassar a linearidade da linguagem enquanto ferramenta ou expressão ‘oral-mental’, no sentido de um pragmatismo linguístico a que mais tarde Habermas chamaria ‘acção comunicativa’.

Vaz Ferreira considerava ser mais rigoroso a institucionalização de um tipo de escrita que superasse a tradicional linearidade gráfica convencional, de expressar (etnocentricamente) o pensamento, já que este se afigurava complexo, variado e exigente.

Aquilo que hoje conhecemos como mais rigoroso, é o tradicional artificio tipográfico dos parêntesis, a utilização das comas ou dos traços, ou ainda o mecanismo simbólico dos ‘smiles’(internet), mas mesmo assim todos eles se revelam incapazes de transmitir a complexidade e dinamismo dos nossos estados de espírito, pois pensamos muitas coisas ao mesmo tempo, e de um modo contraditório e irregular. Necessitaríamos de muitos mais artifícios ‘gráficos’ para nos libertarmos desse etnocentrismo fonético-tipográfico, que mais não é que simples esquematização. Quiçá, afirma o autor uruguaio, deveríamos escrever como um pentagrama, escrever em linhas divergentes sobre as quias se soltassem novos e mais ricos ou complementares sentidos! E porque não utilizar também imagens pictóricas (desenhos) enquanto elementos acessórios deste novo grafismo?!

O pensar por esquemas revela-se incapaz de manifestar a riqueza e dinamismo do espirito. Pensar por ideias, isso sim, seria a chave de que o pensamento necessitaria para aceder á verdade, a única forma de contextualizar o discurso e desdogmatizar a cristalização de esquemas mentais, considerados absolutos e inequívocos.

Bibliografia activa

  • Curso de Psicología elemental. (1897).
  • Ideas y observaciones. (1905).
  • Los problemas de libertad. (1907).
  • Conocimiento y acción. En los márgenes de la “Experiencia religiosa” de W. James.
  • Sobre el carácter. Un paralogismo de actualidad. Psicogramas. Un libro futuro. Reacciones. Ciencia y Metafísica. (1908).
  • Moral para intelectuales. (1909).
  • Lógica Viva. (1910).
  • Lecciones sobre pedagogía y cuestiones de enseñanza. (1918).
  • Sobre la propiedad de la tierra. (1918).
  • Sobre la percepción métrica. (1920).
  • Sobre los problemas sociales. (1922).
  • Sobre feminismo. (1933).
  • ¿Cuál es el signo moral de la inquietud humana?. (1936).
  • Fermentario (1938).
  • Trascendentalizaciones matemáticas ilegitimas y falacias correlacionadas. (1940).
  • La actual crisis del mundo desde el punto de vista racional. (1940).
  • Algunas conferencias sobre temas científicos, artísticos y sociales (1ª serie). (1956).
  • Los problemas de libertad y los del determinismo. (1957).

Bibliografia passiva

  • Ardao, A. “Vaz Fereira y la psicología como ciencia” (Anales de la Enseñanza Secundaria 2ª época- año 3 nº4 -, Montevideo, Diciembre 1993) . p. 96)
  • Ardao, A. Introducción a Vaz Ferreira, Montevideo, Barreiro y Ramos, 1961.
  • Peña, L. (1993), Introducción a las Logicas no clásicas, UNAM, México, 1993.
  • Unamuno, M. de, Amor y Pedagogía Alianza, Madrid, 1989.
  • Vaz Ferreira, C. Los problemas de la libertad y el determinismo, Homenaje de la Cámara de representantes de la República Oriental de Uruguay, Tomo II, Montevideo, 1963.
  • Vaz Ferreira, C. Conocimiento y acción, Homenaje de la Cámara de Representantes de la República Oriental de Uruguay, Tomo VIII, Montevideo, 1963.
  • Vaz Ferreira, C. Fermentario. Editorial Losada. Buenos Aires 1962.
  • Vega Reñon, L. artigo “De la lógica académica a la lógica civil: Una proposición”. Isegoría, 31 (2005): 131 – 149.
  • Vega Reñon, L. artigo “De la lógica académica a la lógica civil: Una proposición”Isegoría, 31 (2005): 131-149