IGNACIO ELLACURIA

(1930 – 1989)

Autoria: Carlos A. Gomes

Horizonte Geracional

GERAÇÃO DE 70 (LIBERTACIONISMO – FILOSOFIA DA LIBERTAÇÃO)

País

ESPANHA – EL SALVADOR

Data e local de nascimento

Portugalete (Bilbau, Espanha), 9 de Novembro de 1930

Formação e acção

Em 1947 Ignacio Ellacuria, espanhol de nascimento mas naturalizado salvadorenho, ingressou na Companhia de Jesus tendo dois anos depois, sido transferido para El Salvador, onde após obter o doutorado, desenvolveria o seu trabalho de intelectual com algumas interrupções até à sua morte em 1989. Em 1967, passou a leccionar na Universidade Centro Americana (UCA) “José Simeón Cañas”, tornando-se reitor dessa instituição a partir de 1979. Ellacuria era o quarto de uma família numerosa de cinco Colégio dos Jesuítas de Tudela. Em 1949, foi enviado para o noviciado da Companhia de Jesus, em Santa Tecla, El Salvador. Em Quito (Equador), completou os seus estudos de Ciências Humanas e estudou Filosofia.

Em meados da década de 50 regressou a El Salvador, onde escreveu alguns artigos sobre Ortega y Gasset, filosofia grega, S. Tomás de Aquino e Henri Bergson. Esteve também na Áustria, onde cursou Teologia e foi aí influenciado pelos ensinamentos do também jesuíta, Karl Rahner. Em 1961, foi ordenado sacerdote em Innsbruck (Aústria). Em 1962, iniciou o doutorado, concluído em 1965, na Universidade Complutense de Madrid, sob a direcção de Xavier Zubiri, grande influenciador das suas ideias e filosofia. A sua tese versava: “A principialidade da essência”.

Em 1967, voltou a El Salvador para leccionar na Universidade Centro-Americana (UCA). e também foi aí nomeado Director do Departamento de Filosofia. Em 1973 publicou o livro “Teologia Política”, editado igualmente em inglês, em Nova Iorque, sob o título “Freedom Made Flesh: The Mission of Christ and His Church”. No ano seguinte, fundou o Centro de Reflexão Teológico Monsenhor Romero, da UCA e, em 1979, tornou-se reitor da UCA. Como reitor, procurou orientar o ensino a favor dos interesses das maiorias populares e desfavorecidas. Também foi fundador da “Revista Latinoamericana de Teología”, juntamente com Jon Sobrino, e colaborador muito próximo do arcebispo Oscar Romero.

Ellacuría era director da revista “Estudios Centroamericanos” (ECA), quando, em 1976, publicou o editorial intitulado “A sus órdenes, mi capital”. do qual resultou a retirada do apoio do governo salvadorenho à UCA e se gerou a violência paramilitar contra a Universidade. Ellacuría teve que buscar refúgio em Espanha, entre 1977 e 1978. A partir de 1979, teve início uma longa guerra civil em El Salvador, tendo os jesuítas começado a receber ameaças de morte. Em Março de 1980, o arcebispo de San Salvador, Oscar Romero foi assassinado durante a celebração da Eucaristia e. neste mesmo ano, Ellacuría regressou ao exílio.

Ellacuría voltaria a El Salvador em finais de 1989 para tentar mediar a paz, mas pouco depois foi assassinado por um pelotão do Batalhão Atlacatl das Forças Armadas de El Salvador, na residência da Universidade UCA, junto de outros cinco jesuítas.

Ignacio Ellacuria foi uma importante figura do mundo teológico-filosófico da libertação, tendo produzido uma obra intelectual de elevada densidade filosófica, temperada com os ensinamentos que a sua vida religiosa lhe proporcionou, sendo considerado um racionalista-humanista, e um grande lutador pela paz entre os povos.

Na teologia cristã, o paradigma inspirador do reino de Deus é o seu modelo de humanidade e de sociedade, no qual todos os membros são respeitados na sua dignidade como homens livres. Mas a ideia de ‘direitos humanos’ usada como instrumento ideológico ou ideologização, para justificar o carácter absoluto do capitalismo (totalitarismo do mercado), acaba por legitimar a imposição deste modelo desumano e torná-o ‘pensamento único’, facto que Ellacuria condena.

Para si, a história não pode ser a consagração de um modelo económico ou político, mas de um modelo sócio-universal, o qual tem que estar ao serviço do bem comum. Altamente critico da hegemonia norte-americana perante os povos da América latina, foi por isso duramente castigado, tendo o seu exemplo constituído um marco histórico na progressiva democratização dos regimes militares no continente americano.

Data e local de falecimento

16 de Novembro de 1989 (59 anos), Salvador

Lema e linha filosófica

O seu pensamento histórico-filosófico pode ser encarado sob duas perspectivas (uma filosófica, outra religiosa, a qual lhe serviu de fonte de inspiração). Mas as duas são complementares perante o seu foco: a) a superação da “filosofia idealista”, metafísica e teleológica da história, e b) a defesa da filosofia da libertação, que serve como fundamento para uma ética libertadora e inspiradora da práxis política.

Em relação ao primeiro ponto, a principal contribuição de Ellacuría no plano teórico é a proposta de uma filosofia e de uma teologia “pos-idealista”, que teriam como método a historização dos conceitos, e como princípio inspirador, a práxis histórica. Para o filósofo salvadorenho, a história não é uma supra-realidade, mas uma unidade dinâmica de indivíduos e realidades que estão em curso histórico. Tendo a história uma estrutura dinâmica, ela implica um conjunto sistemático de possibilidades que a cada momento se concretizam num ‘tempo’ procesual preciso, frente ao qual os indivíduos se encontram numa determinada situação espácio-temporal. A realidade da historicidade implicaria quatro momentos básicos – matéria, espaço, tempo e vida, e duas componentes –social e pessoal. A sua obra de maior fôlego em que sistematiza todos esses conceitos, é a “Filosofía de la realidad histórica” (escrita nos anos 70 e publicada já depois da sua morte, em 1990).

Em relação ao segundo ponto (o religioso), Ellacuría tinha especial preocupação com a eclesiologia em torno dos eixos fundamentais do Reino de Deus, do povo de Deus como povo crucificado e da dimensão histórica da salvação. Ellacuría era absolutamente contrário às tendências espiritualistas que negariam a dimensão encarnatória do cristianismo e o reduziria a um projecto puramente meta-histórico, tornando-se um dos grandes defensores da opção preferencial pelos pobres. Considerava que a Igreja deveria institucionalizar-se, pois a salvação deveria corporalizar-se historicamente, mas, por outro lado, chamava a atenção para o risco do institucionalismo se absolutizar e superar a própria ideia de Deus. O pensador salvadorenho ressalvava que a institucionalização excessiva, acabaria por negar o espírito e a liberdade, dentro da própria Igreja.

Ellacuria foi um filósofo da história. Na verdade, a filosofia da história tinha-se debatido durante séculos e séculos numa luta estéril entre idealistas e materialistas. O livro de Ellacuria atrás citado, constitui um intento para superar essa dicotomia clássica. Tomando como ponto de partida alguns conceitos fundamentais da filosofia de Zubiri, Ellacuria acredita ser possível assumir e criticar simultaneamente ambos esses pontos de vista, a partir de uma atitude mais realista. O próprio título do livro, ‘Filosofia da realidade histórica’, acentua a ideia de história como totalidade da realidade, e que se dá unitaria e qualitativamente. A realidade torna-se, assim, o princípio activo que dinamiza a totalidade da história. Nesta obra, Ellacuría, mostra uma compreensão particular da filosofia da história, que se diferencia das concepções de história dos filósofos da modernidade, sem no entanto, deixar de estabelecer um questionamento e apresentar uma saída ao idealismo alemão, assumindo um processo de consciencialização da transformação da realidade histórica. É justamente essa compreensão de história diferenciada, que nos permite acreditar que é possível conduzir o processo histórico a instâncias cada vez mais humanizadoras.

Importa destacar que a história, para Ignacio Ellacuria, era também o lugar de realização da ética. A história não está feita, constrói-se, sendo um processo de possibilidades humanas e como tal, seria também uma tarefa ética. A tese de Zubiri, de que o homem tem que fazer algo da realidade, transforma-se em Ellacuria numa outra: o ser humano está obrigado a encarregar-se da realidade e a carregar o seu fardo. Este é um imperativo ético que não só obriga individualmente o homem à acção, no reduto da sua própria consciência, como também não o fecha no âmbito de um qualquer dogmatismo (classe social), mas simultaneamente constitui-se como ser individual e específico, por um lado, e solidário e cooperativo face à universalidade da espécie humana, por outro.

Estruturalmente, a obra está dividida em quatro capítulos. O primeiro aborda o tema da constituição do objecto da filosofia, para Ellacuría. O intento é analisar o diálogo que se propõe estabelecer com Hegel, Marx e Zubiri. É com base no diálogo transversal com estes autores, que Ellacuría apresentará a realidade histórica como objecto do seu filosofar. No segundo capítulo, estabelece as componentes básicas que constituem a realidade histórica, a saber: a materialidade, a socialidade, a individualidade e a temporalidade. No terceiro capítulo, apresenta-se uma compreensão de história, distinta da modernidade. A realidade histórica integralmente considerada, acaba por ter, inefavelmente, um carácter de práxis. A práxis é o lugar por excelência do encontro entre homem e mundo, possibilitando assim o surgimento do elemento novo.

No quarto e último capítulo, aborda-se a proposta utópica de Ellacuría: um outro mundo é possível e necessário. A tese central da Filosofia da realidade histórica é justamente, que a realidade e a história são um processo de actualização e criação de possibilidades, tornando o processo histórico inevitavelmente aberto e transformador. Nesta base, tal desiderato concretizar-se-ia numa práxis utópica, política, e ética, respeitando autenticamente os direitos humanos.

Ellacuría era um opositor do secularismo e da mundanização, que, segundo ele, seriam adaptações às estruturas opressoras do mundo. Foi um crítico daqueles que procuraram apresentar um Jesus dissociado de sua densidade real e do seu sentido salvífico, priorizando temas como a sua constituição metafísica. Valorizava e relacionava –se com a sua conduta histórica, defendendo uma maior atenção a actuação de Jesus enquanto homem, situado na história do seu tempo (Jesus histórico). A morte de Jesus seria a consequência do seu anúncio do Reino como oferta de salvação dos pobres e oprimidos, e também porque Jesus foi inimigo dos poderosos, e de uma estrutura social injusta. Por isso, Ellacuría em sintonia com Jürgen Moltmann e Jon Sobrino, faz uma ligação entre Jesus crucificado e os povos crucificados, aqueles que sofrem na sua própria carne a injustiça estrutural da sociedade. Nesse contexto, a sua perspectiva soteriológica entende a salvação como salvação na história de cada ser humano, da humanidade oprimida.

Bibliografia activa

*”Ortega y Gasset: hombre de nuestro ayer” , “Ortega y Gasset desde dentro”, “Quién es Ortega y Gasset”), y “Técnica y vida humana en Ortega y Gasset: Estudio de Meditación de la técnica” (1958-1962) en Escritos filosóficos, vol. I, UCA editores, San Salvador, El Salvador, 1996.

*“Teología Política”, Ediciones del Secretariado Social Interdiocesano, Arzobispado de San Salvador, El Salvador, 1973.

* “La antropología filosófica de Xavier Zubiri”, Laín Entralgo, P. (ed.), en Historia universal de la medicina, vol. VII, Barcelona 1975, y en Escritos filosóficos, vol. II, UCA editores, San Salvador, 1999.

*”La Teología de la liberación frente al cambio sociohistórico de America Latina”, y “En torno al concepto y a la idea de la liberación” en Implicaciones sociales y políticas de la Teología de la liberación, Escuela de Estudios Hispanoamericanos, Sevilla, 1989.

*”El objeto de la Filosofía” (1981), “Filosofía y Política” (1972), Función liberadora de la Filosofía” (1985), y “Universidad y Política” (1980), en El compromiso político de la Filosofía en América Latina, editorial El Buho, Santafé de Bogotá (Colombia), 1994.

*”Filosofía y política” (1972), en Veinte años de historia en El Salvador (1969-1989). Escritos políticos, vol. I., UCA editores., San Salvador, El Salvador, 1991 *“Filosofía de la realidad histórica”, A. González Fernández (editor), Trotta y Fundación Xavier Zubiri, Madrid, 1991.

*”Salvación en la historia”, en Conceptos fundamentales del Cristianismo, Floristán, C., y Tamayo, J. J., (editores), Trotta, Madrid, 1993.

*”La superación del reduccionismo idealista en Zubiri” en Razón, ética y política. El conflicto en las sociedades modernas, Palacios, X. y Jarauta, F. (editores), Anthropos, Madrid, 1989.

*”Universidad, derechos humanos y mayorías populares” (ECA 406, 1982), en Universidad y Cambio Social (los jesuitas en El Salvador), Magna Terra Editores, Mexico 1990.

*”La principialidad de la esencia en Xavier Zubiri”, 3 vols, tese de doutirado, Universidade Complutense, Madrid, 1965.

Bibliografia passiva

*Dogget, M. y Armada, P. “Una muerte anunciada en El Salvador”. Madrid, PPC, 1995.

*Juan – J. Tamayo “Ignacio Ellacuría Teólogo mártir por la liberación del pueblo, Nueva Utopía, Madrid, 1990.

*Kolvenbach, P. H. “El servicio de la fe y la promoción de la justicia en laeducación universitaria de la Compañía de Jesús de Estados Unidos”. Discurso en la Universidad de Santa Clara, California, Estados Unidos, 6 de octubre de 2000. Revista de Fomento Social, 55, 2000.

*Senent de Frutos, J. A. “Ellacuría y los derechos humanos”. Desclée de Brouwer, Bilbao, 1998.

*Sols, J. “El legado de Ignacio Ellacuría”. Cristianisme i Justícia, Barcelona, 1998.

*Sols, J. “El pensamiento de Ellacuría en torno a la reconciliación. Hacia una nueva era?” Bilbao, Publicaciones de la Universidad de Deusto, 2011.

*Sols, J. “Ecología. Pensamiento social cristiano abierto al siglo XXI. A partir de la encíclica Caritas in veritate”. Santander, Sal, 2014