(16/11/1922 – 18/09/2021)
Autoria: Teresa Lousa
Horizonte geracional
GERAÇÃO DE 1947
País
Portugal
Data e local de nascimento
Tomar, 16 de Novembro de 1922
Formação e acção
Licenciado em Ciências Histórico-Filosóficas pela Faculdade de Letras de Lisboa em 1944. Vai para Paris estudar, sem bolsa de estudo e depois de se ter recusado a trabalhar para o SNI do Estado Novo, onde faz dois doutoramentos, um sobre a Lisboa Pombalina e outro sobre o Romantismo português, respectivamente em História (1962) e em Letras e Ciências Humanas (1969) ambos na Sorbonne.
Foi professor na Sociedade Nacional de Belas-Artes e na Universidade Nova de Lisboa, em que teve a seu cargo as cadeiras de História da Cultura e de História da Arte.
Foi fundador do primeiro Mestrado em História da Arte em Portugal. É catedrático jubilado da Universidade Nova de Lisboa, membro da Academia das Ciências e antigo Presidente da Academia Nacional de Belas Artes.
Actividade desenvolvida
Entre 1947 e 1949 participou nas actividades do Grupo Surrealista de Lisboa, chegando mesmo a expor a sua pintura no Primeiro Salão Surrealista de 1949. Dirigiu a revista Unicórnio (1951-1956), a Galeria de Março (1952-1954) e o Dicionário da Pintura Universal (1959-1973). Foi Director da Revista Colóquio/Artes (1971-1996) e de 1980 a 1986 dirigiu o Centro Cultural Português na capital Francesa.
Em Paris contactou com importantes intelectuais portugueses ali exilados, como António José Saraiva e Joaquim Barradas de Carvalho, e foi também nesta cidade que conheceu personalidades marcantes como Pierre Francastel (seu orientador de Doutoramento), Roland Barthes e André Breton.
Foi presidente do Instituto de Cultura e Língua Portuguesa e da Academia Nacional de Belas Artes, diretor do Centro Cultural Gulbenkian de Paris. Membro (emérito) da Academia das Ciências e de Academias estrangeiras, presidente de honra da AICA —Assotiation Internationale des Critiques d’Art, membro (honorário) do Comité International d’Histoire d’Art, na UNESCO.
A sua actividade enquanto Crítico de Arte começou em 1946, com o Fernando Azevedo e o José Ernesto de Sousa, num jornal chamado Horizonte – Jornal das Artes, apesar de só se ter envolvido com a crítica de arte de modo mais profissional em Paris nos anos 60, na equipa da Art d’Aujourd’hui. Entrou para a Associação Internacional de Críticos de Arte, onde mais tarde criou a secção portuguesa e acabou por ser presidente geral.
Profícuo escritor: publicou mais de 2000 artigos e obras nas áreas da História e Crítica de Arte, das quais podemos destacar: O Romantismo em Portugal, A Arte em Portugal no século XIX, A Arte em Portugal no século XX, 100 quadros portugueses do século XX, Amadeo de Souza Cardoso, O Modernismo na Arte Portuguesa, etc.
Em 1967-1970, foi responsável pela classificação da área histórica de Lisboa a preservar e em 1992 foi-lhe atribuída a Medalha de Honra da Cidade. Programou o curso de Estudos Olisiponenses na Universidade Autónoma de Lisboa. É autor de importante obra olissipográfica iniciada em 1965 com Une Ville des Lumières: La Lisbonne de Pombal.
Lema e linha filosófica
José-Augusto França é o mais importante historiador de arte do século XX em Portugal, deixando um legado enorme de obras que se podem considerar património intelectual do conhecimento português. Destaca-se também como um Historiador de arte de base sociológica e crítico de arte ímpar onde a ligação à arte e ao seu mundo é praticamente “respiratória”[1].
Linha filosófica e caracterização geral da obra
José-Augusto França desenvolveu uma narrativa historiográfica com fortes alicerces na Sociologia da Arte (especialmente presentes nos seus estudos sobre a História da Arte Portuguesa do séc. XIX ao XX), característica que herdou de Pierre Francastel, seu orientador de Doutoramento em Paris, que presidia um centro de investigação ao qual França também esteve ligado: “Centro de Sociologia dos Objectos da Civilização”. Esta influência marcará definitivamente uma tendência para ver a obra de arte como um facto sociocultural e um produto da civilização.
Paris foi também o seu mais forte modelo artístico, cultural e de “mundo civilizado”, estabelecendo por comparação a esta cidade, um natural atraso da arte em Portugal, onde verifica uma certa pobreza cultural. Como historiador sempre reagiu contra os discursos de cunho nacionalista que se vinham desenvolvendo a partir de meados do século XIX e tiveram grande aceitação e renovação com as políticas do Estado Novo. A sua adesão ao modelo parisiense e a crítica ao modelo português tem também uma base política que se traduz na liberdade de um e na opressão do outro. O seu discurso sobre Portugal assenta em dois polos: o de um significativo atraso artístico devido ao isolamento cultural em que se encontrava, e por outro lado a um fenómeno de arte única e específica que produziu episódios únicos que não deixaram continuidade, como por exemplo: Amadeo, Henrique Pousão, António Carneiro ou Aurélia de Souza.
Tem sido a principal referência na História da Arte influenciando a geração seguinte de historiadores de arte que mantêm tal como ele um cânone historiográfico e que têm usado as suas obras como fontes até hoje. Persiste nas suas obras uma metodologia de cunho inventarial, num permanente esforço de contextualização sociológica e histórica, marcada por uma tendência à divisão por blocos, décadas e gerações.
A sua pesquisa como Históriador de Arte não pode ser desvinculada da sua acção como Crítico. Se este último tem a legitimidade de afirmar o que é e não é arte, ao historiador cabe reflectir sobre a recepção dessa arte. José-Augusto França não separa totalmente a tarefa de um e outro, o que até traduz a sua concepção acerca da arte enquanto factor de “civilização”: por um lado cria o “gosto” de uma sociedade num determinado tempo, mas por outro também esta é produto do “gosto” que podemos identificar com um zeitgeist hegeliano[2]. Para o nosso autor o historiador de arte acaba por ser também um representante do “gosto colectivo”, mas com uma capacidade de “ver” acima da média, (“para fazer história, preciso é: avoir du nez…”[3]) como que agraciado por uma intuição ímpar. “A intervenção do historiador está na escolha atenta e na arrumação semântica dos factos, como um pintor pontuando formas e cores (…)”.[4]
Como Historiador de arte prefere o campo da acção e dos factos. A obra de arte é mesmo definida pelo autor como “facto artístico”, já decorrente da expressão “factos sócio-culturais[5]” e “factos da civilização”.
Contudo a narrativa histórica será definida por França como uma teia complexa, ambígua e tendencialmente interdisciplinar com um sentido ambíguo de uma multiplicidade de vectores. No ensaio “História, que História” publicado em 1996 pela FCSH, Universidade Nova de Lisboa, o autor explica como a História parte de factos, mas estes não sáo acontecimentos, são encruzilhadas[6]. Assim sob o signo da Ambiguidade (na óptica de Merleau-Ponty), a história faz-se de “minúcias do quotidiano de cada actor…”[7] onde o historiador fixa o que sabe de modo exaltado ou desolado, partindo de acontecimentos ou lendas, testemunhos ou suposições, de obras de arte, poesia ou cinema (como dramatização da própria história). “A História é, por seus factos e seus sítios, necessariamente tópica, w a filosofia utópica, no «mundo apercebido do interior do próprio mundo» (Merleau-Ponty).”[8]
Bibliografia activa
Lisboa Pombalina e o Iluminismo. Lisboa: Bertrand Editora, [1965] 1977.
O Romantismo em Portugal. 6 vols. Lisboa: Livros Horizonte, 1974. França,
A Arte em Portugal no Século XIX. 2 vols. Lisboa: Bertrand Editora, [1967] 1990.
A Arte em Portugal no Século XX. Lisboa: Bertrand Editora, [1974] 1991.
História, que história?. Lisboa: FCSH. Universidade Nova de Lisboa. 1996
A arte em Portugal no século XX (1911-1961). 4ª ed. – Lisboa : Livros Horizonte, 2009.
Os Anos Vinte em Portugal. Estudo de Factos Sócio-Culturais. Lisboa: Presença, 1992.
(In)definições de Cultura. Textos de Cultura e História, Artes e Letras. Lisboa: Presença, 1997.
Monte Olivete: minha aldeia / Lisboa: Livros Horizonte, 2001
Lisboa 1898: estudo de factos socioculturais. 2ª ed. rev. e acrescent. – Lisboa : Livros Horizonte, 2002
Cem cenas, quadros e contos / Lisboa: Acontecimento, imp. 2003
Regra de três: romance /Lisboa: Quetzal, 2003
História da arte em Portugal: o Pombalismo e o Romantismo. 1ª ed. – Barcarena: Presença, 2004
A bela Angevina. romance / Barcarena: Presença, 2005
Lisboetas no século XX : anos 20, 40 e 60. Lisboa : Livros Horizonte, 2005
Exercícios de passamento. Lisboa: Acontecimento, 2005.
Lisboa vista por Maluda. [S.l.] ; ACD, D.L. 2005
Lisboa: urbanismo e arquitectura / Lisboa : Livros Horizonte, 2005
José e os outros : Almada e Pessoa : romance dos anos 20. 1ª ed. – Barcarena : Presença, 2006
Despedida breve e outros contos / 2ª ed. – Lisboa : Acontecimento, cop. 2006
Rafael Bordalo Pinheiro : o português tal e qual. Lisboa: Livros Horizonte, 2007
O essencial sobre António Pedro. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2007
Duas vidas portuguesas. romance, 1ª ed. – Barcarena : Presença, 2007-2008
O essencial sobre José Malhoa. Lisboa: INCM, 2008
O facadas ; seguido por A volta do facadas : duas novelas. Lisboa: Acontecimento, D.L. 2008
Lisboa : história física e moral. 2ª ed. rev. – Lisboa : Livros Horizonte, 2009
O «Ano X», Lisboa, 1936 : estudo de factos socioculturais. 1ª ed. – Barcarena: Presença, 2010
O Retrato na arte portuguesa. 2ª ed., rev. e aumen. – Lisboa : Livros Horizonte, 2010
Antologia de contos. Lisboa : AconTecimenTo, D.L. 2010.
Mina e as coincidências. romance, 1ª ed. – Barcarena: Presença, 2011
Seis pintores : Rafael, Malhoa, Columbano, Amadeu, Almada, Pedro. 1ª ed. – Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2011
Estudo das zonas ou unidades urbanas de carácter histórico-artístico em Lisboa. Lisboa : Câmara Municipal de Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2012
O “Ano XX” Lisboa 1946: estudo de factos socioculturais, 1ª ed. – Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2012
António Duarte. (José-Augusto França et al.); trad. Thomas Williams; fot. FG+SG Fotografia de Arquitetura. – Casal de Cambra: Caleidoscópio, 2013.
Memórias para após 2000. Lisboa: Livros Horizonte, cop. 2013.
Memórias do Conselheiro Adalberto Martins de Sousa, Lisboa: INCM – Imprensa Nacional Casa da Moeda, 2014
Com o O’Neil Falava de Janela Para Janela (De José-Augusto França e José Jorge Letria), Lisboa: Editora Guerra & Paz, 2015
Diálogo: Entre o Autor e o Crítico, Lisboa: Editorial Presença, 2015
28 Crónica de um Percurso – Chronicle of a Journey, Lisboa: Livros Horizonte, 2016
O Essencial sobre Pablo Picasso, Lisboa: INCM – Imprensa Nacional Casa da Moeda, 2016
Charles Chaplin, o Self-Made-Myth, Lisboa: INCM – Imprensa Nacional Casa da Moeda, 2017
Natureza Morta, Lisboa: INCM – Imprensa Nacional Casa da Moeda, 2017
Bibliografia passiva
RAFAEL, Gina Guedes Rafael, Teresa Sobral Cunha, (coord., pesquisa) José-Augusto França: exposição bibliográfica, 1949-2012 / textos José-Augusto França ; catalogação Gina Guedes Rafael ; apresent. Inês Cordeiro. – Lisboa : Biblioteca Nacional de Portugal: INCM-Imprensa Nacional Casa da Moeda, 2012
SANTOS, Mariana Pinto dos, “O legado de José-Augusto França na escrita da História da Arte em Portugal: caracterização crítica do cânone e de exemplos da sua persistência”, Práticas da História 1, n.º 1 (2015): pp. 61-88
TOSTÕES, Ana Tostões [et al.] / coord. Pedro Flor. Pensar história da arte : estudos de homenagem a José-Augusto França / 1ª ed. – Lisboa: Esfera do Caos, 2016
[1] Palavras do próprio em entrevista ao Jornal SOL (21-05-2016)
[2] A respeito do Iluminismo, o autor refere ideias e princípios que estavam aí: “no ar do tempo”. José-Augusto França. Lisboa Pombalina e o Iluminismo. Lisboa: Bertrand Editora, 1977, p. 305.
[3] José-Augusto França, História, que história?, Universidade Nova de Lisboa, 1996, p. 13
[4] José-Augusto França. Os Anos Vinte em Portugal. Estudo de Factos Sócio-Culturais. Lisboa: Presença, 1992, pág. 9
[5] José-Augusto França. Os Anos Vinte em Portugal. Estudo de Factos Sócio-Culturais. Lisboa: Presença, 1992
[6] José-Augusto França, História, que história?, Universidade Nova de Lisboa, 1996, p. 18
[7] Ibidem, p. 31
[8] Ibidem, p. 39