(1918 – 1986)
Autoria: Carlos A. Gomes
Horizonte geracional
GERAÇÃO DE 45 – TRANSIÇÃO PARA O PENSAMENTO DEMOCRÁTICO (PENSAMENTO POLÍTICO)
País
ESPANHA
Data e local de nascimento
8 de Fevereiro de 1918, Madrid
Formação e acção
Figura incontornável da história recente de Espanha, do sistema pós-franquista e de transição para a democracia, foi Enrique Tierno Galván o eleito para a redacção do preâmbulo da Constituição democrática espanhola de 1978. Doutorado em Filosofia e Letras, Catedrático de Direito Político na Universidade de Murcia (de 1948 a 1953) e também na Universidade de Salamanca (de 1953 a 1965), assumiu-se sempre uma figura de oposição ao sistema político saído da Guerra Civil, militando activamente em grupos republicanos. Simbolizou nos anos 50 e 60 o descontentamento reinante, e o sentimento de oposição e rebelião da comunidade universitária, intentando protagonizar uma alternativa político-filosófica ao status quo.
A partir de 1965 e juntamente com outros professores universitários, como José Luis Aranguren e Agustin Garcia Calvo, foi expulso da docência, acusado de acções subversivas e conluios estudantis contra o regime franquista. Durante o período que mediou entre 1966 e 1967, foi professor na Universidade de Princenton (EUA),na qual fundou a Federação Socialista e a passou a liderar.
No seu regresso a Salamanca, dirigiu um boletim informativo do Seminário de Direito, o qual serviu de plataforma de opinião, criando a seguir a Associação pela Unidade Funcional da Europa (AUFE). O ideário político desta associação constituiu como que uma simbiose entre humanismo e europeísmo socialistas. Nesse regresso a Espanha, fundou também na clandestinidade (1968), o Partido Socialista do Interior (PSI),o qual a partir de 1974 se passou a chamar Partido Socialista Popular (PSP). Em Julho de 1974 foi um dos obreiros da Junta Democrática de Espanha (JDE),da qual fizeram parte, o ‘seu’ PSP, o Partido Comunista de Espanha (PCE),o Partido do Trabalho de Espanha (PTE),o Partido Carlista, e numerosas personalidades independentes oriundas de vários sectores da sociedade.
Galván voltou ao seu labor universitário em 1976, na transição do sistema democrático, ocupando a cátedra de Direito político na Universidade de Salamanca, passando posteriormente a ocupar a mesma cátedra na Universidade Autónoma de Madrid. Foi o primeiro tradutor do Tratactus de Witggenstein, em Espanha, e realizou importantes estudos sobre a novela histórica e a problemática da sociologia de massas. Conhecido como ‘el Viejo Profesor’, Tierno Galván foi uma personalidade de grande craveira intelectual, aliando as vertentes teórica, de intelectual e filósofo; e prática, de político empenhado na propagação de um sistema político socialista, e de uma cultura e razão abertas e democráticas.
Actividade desenvolvida
Galván foi um político destacado da época de transição para a democracia (PSI,PSP,PSOE), professor universitário, filósofo, sociólogo e ensaísta. Foi Presidente honorário do PSOE em 1978, posteriormente abandonado por discrepâncias com Felipe Gonzalez, e alcaide de Madrid (entre 1979 e 1986).
Data e local de falecimento
19 de Janeiro de 1986 (67 anos), Madrid.
Lema e linha filosófica
Tierno Galván privilegia não apenas o vital, enquanto categoria filosófica mas fundamentalmente o eventual, sinónimo categorial de comunitarismo, fraternidade e liberdade: “Eu não sou eu, sou os demais”. Assumiu, desde a primeira linha, um pensamento crítico, de esquerda, socialista e democrático (inicialmente pró-marxista e, mais tarde, europeísta).
Linha filosófica e caracterização geral da obra
Enrique Tierno Galván foi muito mais que um político integral, coerente e responsável. Foi, acima de tudo, um homem de cultura, um homem de letras, cuja vertente filosófico-sociológica não é despicienda. A unir essas duas vertentes (a política e a intelectual),esteve um conjunto de atitudes que, sem dúvida alguma, o marcaram: a cortesia no trato, a discrição no gesto, a austeridade na imagem e o seu bom humor convivencial, tão ao jeito de Ortega y Gasset!
A singularidade do seu ethos foi sempre a imagem de marca do ‘velho professor’. Caberá perguntar se esta disposição, eminentemente orteguiana, foi apenas fruto da sua circunstancialidade e traço geracional. Independentemente da resposta, há laivos de sequencialidade e evolução no seu pensamento, um pouco parecida, de resto, com a de Ortega. O contexto político-ideológico vivido por ambos (a Guerra Civil de 36/39), é marcante, envolvendo Galván num enquadramento, todavia, muito mais activista, empenhado e assumido – a esquerda crítica e democrática, anti-franquista, e mais tarde, marxista.
O ideal do socialismo democrático de Tierno Galván foi o desaguar lógico dessa evolução, em que o método dialéctico, a racionalidade laicista e o ideal multicultural, europeísta e internacionalista, o caracterizaram sobremaneira. Desse seu populismo e ‘europeismo’, foi a Madrid dos anos 80 um excelente exemplo. Uma cidade onde se produziu, então, uma energia contagiante que marcou toda uma geração, e que deu origem a um movimento artístico e social, conhecido como ‘la movida madrileña’.
La movida madrileña foi um movimento contra-cultural surgido durante os primeiros anos da transição da Espanha pós-franquista, que se estendeu por toda a Espanha até ao final dos anos oitenta. Na realidade, a noite madrilena foi muito activa, não só pelas saídas ‘libertárias’ dos então jovens noctívagos, mas também por causa de um interesse incomum nas chamadas “culturas alternativas” ou “subterrâneas” (underground).Depois de anos de comportamentos reprimidos pelo franquismo, a época da transição despertou uma natural ânsia de liberdade de expressão, muito contida durante décadas. Alaska, Los Secretos, La Guardia, são nomes que ainda hoje permanecem como referências nacionais e internacionais e que extravasaram o carácter crítico, alternativo e revolucionário, da cultura dessa época.
Ainda que mais tarde o movimento se tivesse espalhado e se amplificasse em termos nacionais, nos anos oitenta Madrid era, de facto, o epicentro desta cultura emergente ‘de oposição’, ficando tal a dever-se ao impulso dado por Enrique Tierno Galván, enquanto alcaide da capital. O seu empenhamento e acção, como alcaide e agente cultural, gerou uma extraordinária simpatia que ultrapassou as suas próprias fronteiras políticas, chegando mesmo a presidir à Federação Mundial das Cidades Unidas. Essa unanimidade assentava na consciência da riqueza entre honestidade, espontaneidade e espírito cívico, sentimentos esses que trespassavam distinções político-ideológicas. É paradigmática a difusão de uma carta aberta dirigida por Galván, em 1979, aos madrilenos (os célebres ‘bandos’), no sentido da promoção de uma convivência sadia, dignificação e qualidade de vida, ingredientes essenciais da tolerância e da liberdade.
Durante os seus quase sete anos de mandato como alcaide de Madrid, levou a cabo algumas reformas importantes como por exemplo a demolição dos estacionamentos inestéticos (em altura), para automóveis, substituindo-o por estacionamentos em piso subterrâneo, a reorganização administrativa da cidade, a renovação e requalificação urbanas de alguns bairros madrilenos (Villaverde e Vallecas) e a emblemática colocação dos simpáticos patos no rio Manzanares, e das flores nos canteiros publicos! A preocupação de Galván pela segurança e rigor rodoviários, factor imprescindível na vida urbana e cosmopolita, encontra igualmente eco em mais um bando (1980), de teor pedagógico, advertindo-os da importância da gestão e fluidez do tráfego. Nos anos oitenta Madrid era a cidade dos desejos, da sensualidade e da liberdade, antes reprimidos, mas também da cidadania e da tolerância, onde toda a gente desejava estar, ou pelo menos, passar! Pode-se dizer, com alguma segurança, que nessa época, Madrid era a cidade da moda! Era ‘in’, visitar Madrid! Em termos conclusivos e esquemáticos, pode dizer-se que para Tierno Galván a liberdade tornou-se a sua utopia, e a reconstrução de uma razão democrática e crítica, o seu instrumento. Tendo sido visita assídua em Lisboa, Tierno Galván viu perpetuada a sua memória com uma rua em seu nome, na zona das Amoreiras.
Globalmente, a sua obra constitui uma simbiose político-filosófico-sociológica, escrita num estilo simples, mas rigoroso, dialógico e com uma linguagem clara e dinâmica. Pode-se, esquematicamente, identificar três etapas essenciais no seu percurso intelectual: a de académico puro (até aos finais dos anos 50), a de sociologo (entre os anos 60 e 70) a de filósofo-político (de princípios dos anos 70 até á sua morte).
Segue preferencialmente o método dialectico, e problemático. Revela influências culturais germânicas, em particular da Escola de Frankfurt, na qual sobressai o ideário de Max Horkheimer.
Seguindo de perto estas pisadas, Galván não intenta uma visão concludente da totalidade, preocupando-se antes com o desenvolvimento concreto do pensamento, ou seja, com o conteúdo cognoscitivo da praxis histórica. A ordem totalitária da razão instrumental (razón mecánica), deve ser enriquecida pela praxis da razão polémica (razón dialectica), as quais em associação, potencializarão a reunificação entre ética e política. Superando o dilaceramento entre meios/fins e a consequente alienação do Homem, com as inerentes manifestações de dominação e opressão (a barbárie),a razão ganharia uma dimensão completamente nova e fundante.
Bibliografia activa
- Sociología y situación (1954), Editorial Aula
- Desde el espectáculo a la trivialización (1961), Tauros Ediciones,
- Introducción a la sociología (1960), Editorial Tecnos
- Tradición y modernismo (1962), Editorial Tecnos
- Humanismo y sociedad (1964), Editorial Seix Barral
- Diderot como pretexto (1965), Taurus Ediciones
- Conocimiento y ciencias sociales (1966), Editorial Tecnos
- La realidad como resultado (1966) Ediciones La Torre
- Razón Mecánica e Razón Dialectica (1969), Editorial Tecnos
- La humanidad reducida (1970), Editorial Taurus
- Antología de Marx y La rebelión juvenil y el problema de la Universidad (1972),
- Tradición y modernismo (1972), Editorial Tecnos
- Idealismo y pragmatismo en el siglo XIX español (1977), Editorial Tecnos
- Democracia, socialismo y libertad (1977), Ediciones Paulinas
- Qué es ser agnóstico? (1982) Editorial Tecnos
- Cabos sueltos (1982), Ed. Bruguera
- Canto a la paz (1983), José Maya Editor
- La España autonómica (1985), Editorial Bruguera
- Enrique Tierno Galvan. Obras CompletasI (1945-1955), Civitas, 2009
Bibliografia passiva
RÍOS, César Alonso de los, La verdad sobre Tierno Galván, Madrid: Ed. Anaya, 1997